(1882)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 4 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

César Franck foi um dos principais compositores da escola francesa da segunda metade do século XIX. Ao longo de sua vida ele tentou frequentemente integrar as conquistas do romantismo germânico com uma música fundamentalmente clássica, um pouco à moda de Brahms, embora seu idioma tenha sido diferente do de seu contemporâneo alemão. Franck foi capaz de desenvolver uma sonoridade musical ímpar, ao associar a sensibilidade religiosa francesa com as realizações harmônicas de Liszt e Wagner. Acabou trazendo uma nova vitalidade para a composição musical francesa, especialmente no que tange à música puramente instrumental.

César Franck era um entusiasta da forma cíclica, que consiste em reutilizar temas e motivos, de forma idêntica ou transformados, em seções ou movimentos subsequentes de uma obra musical. Tal recurso costuma ser extremamente eficaz quando empregado com o intuito de criar unidade para estruturas às vezes vagas ou por demais rapsódicas. A forma cíclica, presente em diversas obras do romantismo alemão, foi utilizada por Franck pela primeira vez no seu Trio para piano nº 1 em Fá sustenido menor, FWV 1 (Franck Werke Verzeichnis), composto em 1839/1942. Desde então o compositor aprimorou o método, e nas suas obras de maturidade podemos perceber as melhores resoluções da forma cíclica, tais como o Quinteto para piano em fá menor, FWV 7 (1878/1879), a Sonata para violino em Lá maior, FWV 8 (1886), a Sinfonia em ré menor, FWV 48 (1887-88), o Quarteto de cordas em Ré maior, FWV 9 (1889) e o poema sinfônico O caçador amaldiçoado, FWV 44.

A estreia de O caçador amaldiçoado (Le chasseur maudit) se deu em 31 de março de 1883 na Salle Érard, em Paris, pela orquestra da Société Nationale de Musique sob a regência de Édouard Colonne. Embora sendo um compositor admirado por grande número de personalidades da época, César Franck levou uma vida modesta e distante da fama. O concerto de estreia de Le chasseur maudit foi uma das poucas ocasiões em que ele experimentou o gosto do sucesso.

A peça foi inspirada no poema Der wilde Jäger (O caçador selvagem), escrito em 1777 pelo poeta romântico alemão Gottfried August Bürger (1747-1794). Franck alterou o título do poema e condensou a história: em um domingo de manhã, enquanto se ouvem os cantos e sinos da igreja, um conde do Reno faz soar as trompas e parte à caça, ao invés de assistir à missa. Por ter violado o dia sagrado de descanso, ele é amaldiçoado por uma voz terrível que o condena a ser perseguido pelos demônios por toda a eternidade.

Escrita em um único movimento, a peça é dividida em quatro seções, de acordo com a história: a manhã de domingo, com os sinos e cânticos religiosos ao longe e o soar da trompa de caça do conde; a caça, em que a orquestra ganha cada vez mais energia, à medida que o conde acelera floresta adentro; a maldição, com sua atmosfera sombria, em que o conde ouve a voz terrível da condenação; e, finalmente, a perseguição, quando a música aumenta dramaticamente de intensidade à medida que o conde tenta escapar dos demônios.

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.