O Coração do Curupira

Pedro Lutterbach

(2012)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, piano, cordas.

 

Residente no Rio de Janeiro, o mineiro Pedro Lutterbach é pianista, professor e compositor. Graduou-se em Piano em 2006 no Conservatório Brasileiro de Música, onde frequentou as classes de Maria Tereza Soares e Maria Teresa Madeira. Foi Maria Teresa Madeira quem despertou seu interesse pela música brasileira, sua principal referência e fonte de inspiração. Embora não tenha estudado composição formalmente, Lutterbach reconhece como particularmente marcantes em sua formação os estudos em regência com Ricardo Rocha, fundador da Companhia Bachiana Brasileira, e as aulas com os compositores Alexandre Schubert e Caio Senna, integrantes do grupo Prelúdio 21. Sua obra combina diversidade estilística, domínio técnico e intuição, enquanto sua prática musical é pautada pela necessidade da superação do discurso que opõe música erudita à música popular. Assim, seja como educador, intérprete ou compositor, Lutterbach explora os mais diversos repertórios, combinando principalmente jazz e música brasileira. Sua obra dialoga com um bom número de compositores brasileiros, dentre eles Camargo Guarnieri, Claudio Santoro, César Guerra-Peixe, Radamés Gnattali e Villa-Lobos. Encanta-o o modo com que cada um desses compositores propôs uma ideia de identidade nacional sem prejuízo da multiplicidade cultural do país. Para além das fronteiras da música brasileira, Lutterbach reconhece ainda uma forte presença do modernismo musical europeu em sua estética, principalmente Debussy, Ravel, Bartók e Stravinsky.

 

Ao ler para seu filho Lendas e Mitos do Brasil, de Theobaldo Miranda Santos, Lutterbach deu-se conta de que certas lendas brasileiras jamais inspiraram a composição de música de concerto. Isso o levou a compor duas peças baseadas nas histórias de Miranda Santos, O Pássaro Mágico e O Coração do Curupira, sendo a última obra premiada com menção honrosa no Festival Tinta Fresca de 2016, programa realizado pela Filarmônica.

 

Curupiras são geralmente representados como anões de cabeleira ruiva, corpos peludos e com os pés para trás. Na mais antiga (maio de 1560) referência a essa figura, José de Anchieta os descreve como demônios da floresta. Com assobios e rastros falsos, eles ludibriam caçadores, seringueiros e roceiros. Apreciadores de fumo e pinga, são ambivalentemente bons e cruéis, bem-humorados e violentos. Conta Miranda Santos que, certa vez, um Curupira faminto pediu a um índio um pedaço de seu coração. O índio, que havia caçado um macaco, ofereceu parte do coração de sua caça como se fosse o seu. Deliciado, o Curupira pediu o restante do coração, ao que o índio propôs em troca um pedaço do coração do Curupira. Enganado, o Curupira caiu morto ao abrir seu peito a fim de cumprir o trato. Tempos depois, de volta ao local do encontro, o índio ressuscitou o Curupira que, agradecido, presenteou-lhe com uma flecha mágica que o faria chefe de sua tribo. Todavia, ao, desavisadamente, revelar à sua mulher seu pacto mágico, o índio caiu morto enquanto o Curupira saiu vingado. Concebida em duas grandes seções que recombinam motivos melódicos e fragmentos, O Coração do Curupira explora o jogo entre o lúdico e o sombrio característico das lendas brasileiras.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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