Oito canções populares russas, op. 58

Anatoly Liadov

(1906)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, cordas.

 

Filho de um afamado regente da corte e do Teatro Mariinsky de São Petersburgo, Anatoly Liadov era um homem reservado. Pouco se sabe sobre seus hábitos e sua rotina. Sua vasta cultura musical foi de grande valia para seus mais dedicados alunos do Conservatório de São Petersburgo, dentre eles Prokofiev, Rachmaninov e Myaskovsky. Admirava Debussy e a qualidade das inovações musicais de Alexander Scriabin.

 

Como compositor, foi extremamente metódico e excessivamente autocrítico. Não escrevia uma nota sem a certeza absoluta de sua necessidade. Talvez por isto não tenha produzido uma obra mais extensa. Suas composições são curtas, intimistas e sem grandes arroubos dramáticos. As grandes ambições artísticas eram, para ele, desconhecidas. Compôs para piano, coro e orquestra. Ao morrer, deixou inacabada a ópera Zoryushka.

 

Liadov foi, durante vários anos, aluno de Rimsky-Korsakov – com o qual, e com Glazunov, frequentava o “círculo Belyayev”. Mitrofan Belyayev, rico comerciante e mecenas, recebia em sua casa de São Petersburgo, nas últimas décadas do século XIX, jovens compositores talentosos, dos quais publicava e divulgava as obras com seus próprios recursos. Liadov, que foi um de seus protegidos, jamais se entregou de coração a uma encomenda, embora possuísse consideráveis conhecimentos e facilidade técnica. Preferia compor esporadicamente, sem se comprometer com prazos. É notório o episódio ocorrido na primeira década do século XX, quando recebeu a encomenda de Sergei Diaghilev, diretor da companhia Ballets Russes, para compor a música para o conto folclórico O pássaro de fogo. Após muita indecisão e protelação, ele acabou recusando a tarefa, permitindo, assim, que o jovem Stravinsky recebesse a primeira e decisiva grande encomenda de sua vida. Liadov preferia compor para si próprio e para seu círculo de amigos.

 

Em 1897, viajou pela Rússia coletando canções folclóricas em colaboração com Balakirev. Os mais de cem cantos populares por ele arranjados foram publicados em três volumes sob os auspícios da Sociedade Geográfica Imperial, no início do século XX. Dessas canções, Liadov escolheu oito e as arranjou para orquestra sinfônica, criando assim suas Oito canções populares russas, op.58, com um belo colorido orquestral que nos remete à influência de seu mestre Rimsky-Korsakov. As datas de composição e estréia da obra são incertas, mas sabemos que ela foi publicada por Belyayev em 1906.

 

O senso formal de Liadov era impecável. As Oito canções formam um conjunto simétrico: se partirmos do centro para as bordas, perceberemos que as duas canções centrais são alegres (sendo a quarta, humorística; e a quinta, graciosa); as duas canções que as envolvem são lentas (a terceira, triste; e a sexta, melancólica); as seguintes são danças singelas (a segunda, uma bucólica canção de Natal eslava; e a sétima, uma cantiga de roda com leve sabor medieval); e as canções das extremidades (a primeira e a oitava) funcionam, respectivamente, como uma introdução e um solene desfecho.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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