Pacífico 231

Arthur Honegger

(1923)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, percussão e cordas.

 

Como membro do Grupo dos Seis, o que Arthur Honegger partilhou com Georges Auric, Louis Durey, Darius Milhaud, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre foi companhia estimulante, e não uma estética, cuja existência negava. Qual César Franck no século XIX, ele cumpriu, na primeira metade do século XX, o papel de mediador entre a cultura musical francesa e a tradição alemã, ao mesmo tempo em que escrevia música “acessível à grande massa de ouvintes, embora suficientemente isenta de trivialidades para interessar o melômano”.

 

De pais suíços, Honegger nasceu na cidade portuária de Le Havre. Lá estudou violino e harmonia antes de tomar aulas de composição, teoria e violino por dois anos, no Conservatório de Zurique. Em 1911 matriculou-se no Conservatório de Paris e ali permaneceu sete anos. Quando, em 1913, a família retornou a Zurique, Honegger trocou Le Havre por Montmartre, em Paris, onde residiu até seus últimos dias. Em 1921, a música de cena para O rei Davi, estreada na Suíça, transformou-o em celebridade internacional. “O que devo à Suíça? Sem dúvida, a tradição protestante, uma grande dificuldade para enganar-me a mim mesmo quanto ao valor do que faço, um sentido ingênuo da honestidade e minha familiaridade com a Bíblia. À França devo todo o resto: meu despertar intelectual, minha afinidade musical e espiritual.”

 

No título Pacific 231 os números significam: de cada lado, duas rodas livres na frente, três rodas motrizes no meio e uma roda livre atrás. Honegger explica: “O que busquei em Pacific não foi a imitação dos ruídos da locomotiva, mas a tradução de uma impressão visual e de um gozo físico numa construção musical. Ela parte de uma contemplação objetiva: a respiração tranquila da máquina em repouso, o esforço do arranque, depois o aumento progressivo da velocidade, para culminar no estado lírico, no patético do trem de trezentas toneladas disparado a cento e vinte por hora, em plena noite. Como personagem, escolhi a locomotiva tipo Pacific, símbolo 231, para trens pesados de grande velocidade.”

 

Mais tarde, ele se queixaria: “Tantos e tantos críticos descreveram com tal minúcia o arroubo de minha locomotiva pelos grandes espaços que seria desumano desenganá-los. […] Na verdade, em Pacific dei curso a uma ideia muito abstrata e totalmente ideal, ao produzir o sentimento de um acréscimo matemático do ritmo enquanto o próprio movimento se desacelera. Musicalmente, compus uma espécie de grande coral variado.”

 

Dedicada ao regente Ernest Ansermet, que depois a gravaria duas vezes, Pacific 231, Movimento Sinfônico nº 1 estreou sob Serge Koussevitzky na Ópera de Paris, em 1924. O grande público, que se sentia relegado pela música dos anos 1920, encontrou em Honegger o pathos de cuja ausência ressentia-se. A partir dos anos 1930, o homem apaixonado por ferrovias, pelo rugby e por sua Bugatti começaria a mergulhar no desencanto, extravasado nos livros Sortilégios para os fósseis (1945), Sou compositor (1951) e na palestra O Compositor na Sociedade Moderna (1952).

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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