Maurice RAVEL
A pavana é uma dança lenta e de caráter melancólico, extremamente popular nas cortes europeias no século XVI e início do XVII. Ao que tudo indica, sua origem é italiana (os termos “pavana” e “padoana” significam “originária da cidade de Pádua”), embora alguns teóricos sugiram que “pavana” seja uma declinação do espanhol “pavón” (pavão), já que os elegantes movimentos da dança se assemelham ao ritual de exibição da cauda do pavão quando do acasalamento.
Ravel era ainda estudante do Conservatório de Paris, da classe de composição de Gabriel Fauré, quando compôs sua Pavana para uma infanta morta, para piano solo, em 1899. Em suas próprias palavras: “não se trata de um lamento para uma criança que acabou de falecer, mas a evocação de uma pavana que uma pequena princesa pode ter dançado, uma vez, numa corte da Espanha” (o termo francês “enfante” refere-se ao correspondente espanhol “infanta”, este utilizado para designar uma princesa da casa real da Espanha).
A partir de sua estreia pelo pianista Ricardo Viñes, na Salle Pleyel, em Paris, no 303º concerto da Société Nationale de Musique, no dia 5 de abril de 1902, a Pavana se transformou em um enorme sucesso, o primeiro da carreira do compositor.
Em 1910 Ravel decidiu orquestrar a Pavana para pequena orquestra (duas flautas, um oboé, dois clarinetes, dois fagotes, duas trompas, uma harpa e cordas). A estreia da já tão conhecida peça se deu na Inglaterra, em Manchester, no dia 27 de fevereiro de 1911, no Gentlemen’s Concerts, sob a direção de Sir. Henry J. Wood. O tremendo sucesso da Pavana causou, de alguma maneira, certo embaraço ao compositor. Perfeccionista e extremamente autocrítico, Ravel enxergava, em sua peça de juventude, apenas defeitos, atribuindo seu sucesso ao fato de ter sido executada inúmeras vezes ao longo dos anos. O que não o impediu de defender sua obra com unhas e dentes quando um pianista cauteloso tentou executá-la com excessiva frieza: “foi a infanta quem morreu, não a Pavana”.
O tema principal, que abre a peça, retorna durante toda a música numa espécie de refrão. A trompa, que o executa logo no início, contribui para estabelecer o caráter melancólico da obra. Sua escolha para o tema da infanta não foi por acaso. Por ter sua origem na trompa de caça (corno di caccia), instrumento utilizado por caçadores como forma de sinalização na floresta, a trompa moderna foi muitas vezes utilizada na orquestra como a lembrança de uma sonoridade que se ouve ao longe, daí sua associação com o passado, com algo distante e melancólico. Uma vez ouvido na trompa, o tema principal passará pelas flautas e clarinetes em oitavas, até finalmente ser executado pelos violinos (com dobramentos nas flautas e no oboé).
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.