Polymorphia

Krzysztof Penderecki

(1961)

Instrumentação: Cordas (24 violinos, 8 violas, 8 violoncelos, 8 contrabaixos).

 

Polymorphia. O título poderia ser uma metáfora para a trajetória composicional de Penderecki, polimorfa e de uma evolução surpreendente. Deve-se, no entanto, ter o cuidado de não inferir, a partir dos muitos sentidos de uma palavra, que a essa trajetória tenha faltado consequência. Penderecki exerceu, em plenitude, a liberdade que distinguiu sua evolução criadora. Em seu período de aprendizado, o compositor viu o anseio pela liberdade marcar o cotidiano polonês, sob a ocupação nazista e, após a Segunda Grande Guerra, sob o jugo do stalinismo. Afastada a sombra de Stalin e, com ele, da patrulha ideológica que restringia a produção intelectual, a vida cultural polonesa renasceu para a expressão individual e para a experimentação. Foi o momento da criação de obras musicais caracterizadas pela busca de novos meios e linguagens, particularmente pelo tratamento radical da dimensão tímbrica, que projetaram o compositor e que levaram a associar seu nome ao de outros criadores revolucionários, como Ligeti ou Xenakis, que, igualmente, buscavam novos caminhos para uma expressão individual e para a música do século XX.

 

Penderecki, já nesses passos iniciais, havia encontrado uma maneira própria de se expressar, com sua escritura inconfundível nas obras para orquestra de cordas, manifesta, um ano antes de Polymorphia, na Trenodia para as vítimas de Hiroshima. Entretanto, à mesma época, com a Paixão segundo São Lucas, Penderecki volta-se para um viés particular de sua produção, caracterizado por obras nas quais, apesar de se encontrarem ecos do experimentalismo, este cede lugar a uma estética na qual se evidencia um cunho pós-romântico. São obras para vozes e diversos efetivos instrumentais, afrescos marcados por textos que exaltam a fé católica, que sustentam parte significativa da produção do compositor. Uma vez mais, o contexto político-ideológico foi determinante para a criação, e o compositor, como no Réquiem Polonês (1984), presta homenagem à Igreja, símbolo da resistência anticomunista em seu país. A partir das obras instrumentais, passando pela vasta produção coral-instrumental, o compositor apresenta um extenso catálogo de peças sinfônicas e concertantes. Em várias dessas obras, como, por exemplo, na Sonata para violoncelo e orquestra (1964), o experimentalismo que caracterizou a escritura para cordas se estende aos naipes das madeiras, dos metais e da percussão. O extenso catálogo pendereckiano conta ainda com a produção dramática, iniciada em 1968 com Les diables de Loudun, e, uma vez mais, o compositor abre seu horizonte estético com essa ópera de ambiência expressionista.

 

Para o apreciador do repertório habitual de concertos sinfônicos, a audição de Polymorphia é impactante. A obra requer uma predisposição estésica diversa daquela que nos permite a fruição de peças que vão do Barroco aos primórdios do século XX. No entanto, o ouvinte é recompensado pela pintura sonora de cores fortes; pela perspectiva em planos múltiplos, algumas vezes vertiginosa; pela variedade e pelo contraste; enfim, por um agenciamento de estruturas composicionais que cativa a atenção.

 

Polymorphia exige uma escuta especial. A forma global, se nos restringirmos ao título, é inesperadamente simples – três seções, de durações equivalentes, sendo a terceira intimamente relacionada à primeira. Entretanto, a complexidade da obra advém da trama sonora e do papel desempenhado pela dimensão tímbrica. Embora o timbre tenha recebido, ao longo da História da Música, atenção especial de compositores de épocas e linguagens tão diferenciadas, como um Berlioz, um Debussy ou um Mahler, esse parâmetro do som aparece, aqui, empregado de forma radical, determinante, e não apenas a secundar melodias ou harmonias. É à centralidade do timbre que se deve, em maior grau, a complexidade da audição de Polymorphia. Comparada à apreensão de outros parâmetros sonoros, como a altura, a intensidade e a duração, é o timbre que requer uma audição mais apurada. No entanto, a percepção de estruturas sonoras se torna mais complexa na razão direta da complexidade das articulações entre os parâmetros do som. Assim, passagens de sons muito suaves, mas breves e em rápidas sucessões, tornam mais difícil a percepção do timbre. Se estendermos a questão da percepção dos parâmetros a elementos como a textura, os momentos de grande densidade ou de superposição de materiais composicionais – preponderantes na obra em questão – apresentam-se como verdadeiros desafios à compreensão musical.

 

Polymorphia parece visitar o som “de dentro”, em sua materialidade, esculpindo-o a partir de seu interior. Prescinde da melodia e, por vezes, da própria definição das alturas; percorre um âmbito de grande amplitude, do registro subgrave ao sobreagudo das cordas; apresenta glissandos, clusters, densas massas sonoras e sons pontuais. Trata os instrumentos de modo inusual, explora modos de ataques e técnicas especiais de obtenção do som. Efeitos? Certamente; mas não enfeites. Escritura necessária, orgânica e que, paradoxalmente, instaura a revolução estética a partir das cordas – “espinha dorsal” da orquestra… clássica!

 

Oiliam Lanna
Compositor e regente, Doutor em Linguística (Análise do Discurso), professor da Escola de Música da UFMG

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