Claude DEBUSSY
Na égloga de Mallarmé, Après-midi d’un faune, encontrou Debussy inspiração para uma joia musical de trajetória particularmente singular. O Prélude, já em sua estreia, em 1894, foi entusiasticamente recebido e, fato raro em ocasiões como essa, teve que ser bisado. Desde então, e até os nossos dias, essa obra-prima, sempre amada pelo público, tem recebido especial atenção de intérpretes e compositores, como realização musical que, no dizer apropriado de Pierre Boulez, “contém um potencial de juventude que é um desafio ao desgaste e à decadência”. O diálogo inesgotável com o Prélude dá-se por vieses muito diversos, entre os quais a singularidade de sua orquestração – marco histórico de leveza e transparência –, a originalidade e a liberdade de seu discurso harmônico, as soluções melódicas desveladas a partir da insinuante intervenção da flauta solo, enfim, um agenciamento inovador de estruturas musicais presidido pelo trabalho de ourives do compositor, em um tecido musical rico, mas onde só o essencial parece ter vez.
Apesar do fascínio da realização sinfônica, impossível deixar de considerar, no Prélude à l’après-midi d’un faune, a importância da relação fundamental com a poesia de Mallarmé. A revolução mallarmeana, que invadiu o mundo literário – e que, diga-se de passagem, viria a encontrar solo fértil nas letras brasileiras –, já se fazia conhecida no meio cultural parisiense, em especial pelos artistas que frequentavam reuniões em casa do escritor, Debussy entre eles. O contato com a complexidade da poesia de Mallarmé, com o intraduzível de sua linguagem, certamente foi instigante para o jovem compositor. Este fez questão de observar que “a música deste Prélude é uma ilustração muito livre do belo poema de Stéphane Mallarmé e não tem, de forma alguma, pretensão de ser uma síntese deste”. Para o músico, tratava-se de uma sucessão de cenários através dos quais se moviam “os desejos e os sonhos de um fauno, no calor da tarde”, e após perseguir ninfas e náiades, a figura mitológica, inebriada, abandonava-se ao sono, “repleto de sonhos, enfim realizados, de possessão da natureza universal”. Mallarmé não poupou elogios à obra, e Debussy relata que o poeta chegou a declarar: “essa música prolonga a emoção do meu poema e fixa o cenário muito mais vividamente que a cor poderia fazê-lo”. No exemplar autografado de Après-midi d’un faune, com o qual Mallarmé presenteou o compositor quando da estreia do Prélude, o poeta ressaltou, em verso, a luz que brilhava na flauta, ao sopro de Debussy. Essa luz ainda brilha e, naquele momento tão especial, a tarde do Fauno preludiava também a aurora da música do século XX.
Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.