Sinfonia nº 5 em Si bemol maior, op. 100

Sergei PROKOFIEV

(1944)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, piano, harpa, cordas.

 

Moscou, 5 de março de 1953: milhões de cidadãos soviéticos e comunistas choram pela morte do líder que se autodenominou Stálin, “homem de aço”. Perto dali, nos campos de trabalho forçado, conhecidos como Gulag, a milhões de prisioneiros foi permitido sonhar novamente com a liberdade. Outros milhões que foram mortos durante a ditadura stalinista tiveram os nomes arquivados e esquecidos nos porões do Ministério do Interior. Nessa mesma cidade, na mesma data e à mesma hora veio a falecer Sergei Prokofiev, aos 61 anos, privado pelo destino da chance de criar suas obras sem o controle das autoridades russas da censura. A infeliz coincidência de datas o privou também de todas as honrarias que seu sepultamento merecia por ser artista do povo russo. Seu caixão foi decorado com flores de papel, pois todas as flores foram reservadas para enfeitar o túmulo de Stálin. O velório de Prokofiev, na sede da União dos Compositores Soviéticos, ocorreu somente três dias depois que a multidão de luto por Stálin se dispersou das ruas. No funeral, ouviu-se num velho aparelho um trecho de uma de suas obras mais populares, a música para o balé Romeu e Julieta.

 

Das sete sinfonias que escreveu, a Primeira e a Quinta são as mais populares em seu país e no estrangeiro. A Quinta Sinfonia, composta em 1944, foi estreada em Moscou a 13 de janeiro de 1945, sob a regência do próprio compositor. Segundo Sviatoslav Richter, pianista russo que a assistira na ocasião, a obra é reflexo de “sua alcançada maturidade interior e o reepílogo do seu passado”. Para ele, o compositor olhava “do alto para a própria vida e para tudo o que aconteceu”. Prokofiev retornara ao momento anterior do exílio de dezessete anos e revivera o passado como artista e como homem. Mesmo tolhido artisticamente, viu que era preciso restituir-se os cantos de sua Pátria-Mãe. A Quinta Sinfonia foi escrita quinze anos após a Quarta e dez anos após o reingresso de Prokofiev na Rússia. Nesse hiato, o compositor viu seu estilo de composição sofrer uma transformação considerável e buscava inspiração na força melódica autêntica do seu país: “o ar forasteiro não se casa com a minha inspiração, porque eu sou russo e a coisa pior para um homem como eu é viver no exílio. Devo voltar. Devo ouvir ressoar ao ouvido a língua russa, devo falar com as pessoas, a fim de que possa restituir-me o que me falta: os seus cantos, os meus cantos.” Sobre a Quinta Sinfonia, ele disse: “esta música amadureceu dentro de mim, encheu minha alma” […] “não posso dizer que escolhi estes temas, eles nascem em mim e devem se expressar”. A volta ao país natal se desdobrou no retorno às raízes musicais de sua juventude, na qual demonstrara amar profundamente a música de Haydn. A simplicidade e inocência das composições de Haydn eram vistas por Prokofiev como exemplo de clareza e sofisticação. O regresso à natureza neoclássica da Primeira Sinfonia deveu-se mais ao renascimento em si do espírito haydniano que propriamente pela censura impingida à sua música pelo Comitê Central do Partido Comunista. Ao compor nos moldes do “realismo socialista”, Prokofiev inaugurou uma fase chamada por ele de “nova simplicidade”.

 

Nas palavras do compositor: uma “linguagem musical que possa ser compreendida e amada por meu povo”. Simples, sem ser simplista, ele fez sua música retornar ao predomínio do elemento melódico, à transparência na orquestração e à nitidez da forma, de acordo com as normas clássicas. Se os movimentos lentos I e III – Andante e Adagio – se vestem de uma ternura elegíaca e de introspecção, os allegros II e IV, um scherzo e um finale refletem o puro humor advindo de Haydn. Desse contraste, sem dores nem tristezas, nasceu uma das obras mais célebres da música soviética, definida pelo compositor como o “canto ao homem livre e feliz, à sua força, à sua generosidade e à pureza de sua alma”.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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