Quarteto para piano em sol menor, op. 25

Johannes Brahms

(1861) | Orquestrado em 1937 por Arnold Schoenberg

 

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Em 1853 Brahms chegava à casa de Robert Schumann com uma carta de recomendação do violinista Joseph Joachim. Impressionado com o talento do compositor de vinte anos, Schumann logo publicou um artigo na revista Neue Zeitschrift für Musik prenunciando um futuro promissor para o jovem Brahms e recomendando ao público seguir de perto seus passos, principalmente quando começasse a compor suas grandes obras corais e orquestrais. O empenho de Schumann, apesar de ajudar Brahms a se tornar rapidamente conhecido na Alemanha, acabou assustando-o imensamente, pois temia não ser capaz de atender às expectativas. Somente duas décadas depois, com o Réquiem Alemão e a primeira sinfonia, ele foi capaz de comprovar seu grande talento como compositor.

 

Seu Quarteto para piano nº 1 é, no entanto, uma obra de juventude, composta quando Brahms contava apenas 28 anos e ainda tentava se firmar no cenário musical germânico. Trata-se de obra grandiosa, que viria a ser reconhecida como uma das obras-primas da música de câmara universal. A estreia aconteceu no mesmo ano da composição, em Hamburgo, com Clara Schumann ao piano. Brahms, feliz com o resultado, resolveu utilizar o Quarteto como cartão de visitas ao decidir tentar a sorte em Viena. Em 16 de novembro de 1862 ele o executou ao piano, com membros do Quarteto Hellmesberger. Tratava-se da primeira apresentação de Brahms em Viena, como pianista e compositor. O público recebeu a obra com frieza, a crítica especializada foi extremamente dura.

 

O quarteto para piano é uma composição de câmara que emprega um piano e três outros instrumentos, geralmente um trio de cordas (violino, viola e violoncelo). Os três quartetos para piano que Brahms compôs ao longo de sua vida possuem exatamente essa instrumentação, assim como os de Mozart, Beethoven, Mendelssohn e outros.

 

De maio a setembro de 1937, quarenta anos após a morte de Brahms, Arnold Schoenberg orquestrou o Quarteto para piano nº 1, estreado naquele mesmo ano pela Orquestra Filarmônica de Los Angeles. Sua intenção era “permanecer estritamente no estilo de Brahms e não ir mais longe do que ele mesmo teria ido se ainda vivesse.” Schoenberg obteve resultado excelente, principalmente por contribuir para ressaltar as qualidades orquestrais do quarteto. Embora sem alterar sequer uma nota do original, utilizou alguns efeitos que dificilmente teriam sido escolhidos por Brahms. O resultado final, antes de tudo, é uma obra-prima, que se sustenta por seus próprios méritos.

 

No entanto, por que um compositor de vanguarda do início do século XX escolheria orquestrar uma peça de câmara romântica, composta quase oitenta anos antes? Talvez porque – embora Brahms, no século XIX, fosse considerado um compositor conservador, e Schoenberg, no século XX, um revolucionário – ambos tinham muita coisa em comum. Ambos eram compositores que se percebiam totalmente inseridos na tradição musical germânica, ambos olhavam constantemente para o passado e tentavam criar algo novo a partir dessa tradição. No fundo, ambos eram conservadores e revolucionários, ao mesmo tempo. A percepção de quão moderna era a música de Brahms era, de certa forma, compartilhada no meio musical alemão do início do século XX. A Schoenberg coube a tarefa de difundi-la no resto do mundo, através de uma palestra proferida em 1933, no centenário de nascimento de Brahms, e publicada em 1947 sob o título “Brahms, o progressivo”.

 

Brahms foi uma constante fonte de inspiração para Schoenberg, por ser capaz de desenvolver uma forma musical a partir de meios extremamente econômicos. Geralmente, a quantidade de material musical que Brahms utilizava em uma peça era muito pequena. O início de uma obra continha, basicamente, todo o material que seria trabalhado. Obviamente Brahms não inventou esse processo de composição. Johann Sebastian Bach já compusera muitas de suas obras a partir de um material temático coeso, assim como Beethoven, Liszt e muitos outros. Brahms, no entanto, utilizou tal processo de um modo que não fora empregado na música de câmara da época. No Quarteto para piano nº 1, por exemplo, ele extrai um fragmento temático da abertura e o expande incessantemente por variação contínua. Dito de outra maneira, ele sujeita seu material temático a transformações tão logo o introduz. Toda vez que é ouvido o mesmo material, ele está ligeiramente diferente. Isso lhe permitia criar estruturas formais maiores e incrivelmente inovadoras.

 

O Quarteto para piano nº 1 possui quatro movimentos. O Allegro lembra a música sinfônica de Brahms. Nele o compositor modifica consideravelmente a tradicional forma sonata com uma dramaticidade singular que nos leva do trágico ao doce, em poucos segundos. O Intermezzo é um movimento em três partes, com uma seção central animada, envolvida por duas seções misteriosas. No Andante con moto, movimento também composto de três partes, a triste melodia das seções externas é contraposta a uma marcha militar graciosa na seção central. O Rondo alla Zingarese, com seu caráter efervescente, é a primeira aparição do caráter cigano húngaro nas obras de Brahms. A energia dos seus ritmos dançantes foi responsável pela grande popularidade desse quarteto até os dias de hoje.

 

Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor na Escola de Música da UEMG e da FEA

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