Silvestre REVUELTAS
Revueltas, um dos mais importantes compositores mexicanos, compôs nove trilhas sonoras, duas das quais pensadas também como música de concerto: Redes e Música para charlar, que passaram a figurar no repertório como suítes orquestrais, devido às versões de Erich Kleiber, regente austríaco.
Antes do projeto de Redes, Revueltas encontrava-se nos Estados Unidos. Voltou ao seu país para assumir o cargo de regente assistente da Orquestra Sinfónica de México, em 1929, a convite de Carlos Chávez (grande figura da música mexicana com quem trabalhou até 1935). Chávez propusera ao Departamento de Belas Artes, como seu diretor, a realização de um filme de orientação socialista inspirado nos pescadores de Veracruz. Endossado e financiado pelo governo mexicano, o projeto teria a direção de Paul Strand e Fred Zinnemann, e roteiro de H. Rodakiewicz. Numa resposta ao cinema comercial da época e sob influência do realismo socialista de Sergei Eisenstein, a proposta do filme propagandeava o espírito nacionalista e trazia aos espectadores questões sociais. Era a arte cinematográfica a serviço da conscientização do trabalhador mexicano.
O projeto de Redes foi proposto num período de mudanças políticas que acarretavam alterações nos cargos diretivos em todo o país. Chávez deixou a direção do Departamento de Belas Artes, perdendo também a oportunidade de compor a música de Redes. Castro Leal, novo diretor, indica então Revueltas para a composição da trilha, com o que a relação entre os compositores fica estremecida. Apesar de prazos estabelecidos, mas com problemas técnicos, o filme é deixado de lado. As mudanças constantes nos cargos de chefia levaram ao afastamento da equipe anterior, que retornou aos EUA. No final de 1935, o diretor mexicano Emilio Gómez Muriel retoma o projeto no intuito de reparar os problemas técnicos e, finalmente, lançar o filme. Revueltas decide, então, recompor toda a música para a nova versão.
Em dezembro de 1935 Revueltas já havia composto 85 páginas de música para orquestra, contínua e autônoma, pensada para ser igualmente efetiva num concerto ou articulada às imagens cinematográficas. Na realidade, fez-se o filme para a música, mais que a música para o filme. A música original é um poema sinfônico em três movimentos, estreado dois meses antes do filme, num concerto no Palacio de Bellas Artes, em maio de 1936, pela Orquestra Sinfónica Nacional regida pelo autor. Em 1943 Erich Kleiber reelabora a partitura criando uma suíte em duas grandes seções, levando em conta o roteiro: I – Los pescadores. Funeral Del niño. Salida a la pesca; II – Lucha. Regreso de los pescadores con su compañero muerto. Nele, o pescador Miro dá a vida pela comunidade, trabalhando incessantemente. Seu filho adoece e Miro recorre ao mercador, que não o socorre. Sem dinheiro para os medicamentos, o filho morre. A dor do luto desencadeia no pai a revolta. Incita os pescadores contra o mercador que lhes compra os peixes por baixo custo. O mercador contrata um político profissional que divide os manifestantes, deflagrando violento confronto em que Miro morre. Sua morte reúne novamente os pescadores que, em cortejo, levam o corpo para a cidade em sinal de desafio. O filme e a suíte representam a morte, num primeiro momento, como dolorosa injustiça social e, subsequentemente, como o sacrifício a serviço da revolução.
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.