Concerto em modo galante para violoncelo

Joaquín Rodrigo

A Paris dos anos de 1920 voltava a ser um centro de efervescência cultural. Após o final da Primeira Guerra Mundial, a intensa movimentação cultural vivida nos anos anteriores a 1914 era retomada. Com a lembrança recente da guerra, a cidade via florescer movimentos artísticos vigorosos e ousados: Cubismo, Fauvismo, Abstracionismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo. Paris recuperara seu papel de “capital do século XIX” e despontava também como a capital das artes do século XX. Era para lá que se dirigiam aqueles que iam rumo à modernidade. Assim, artistas dos mais variados países ali se reuniam. Os mais expressivos artistas espanhóis estavam por lá – Buñuel, Dalí, De Falla, Picasso, Turina – quando, em 1927, chega a Paris Joaquín Rodrigo, para estudar composição com Paul Dukas. Com esse mestre, Rodrigo desenvolveu algumas de suas principais características estilísticas, como um lirismo delicado, um colorido orquestral por vezes ousado e uma harmonia que lembra Ravel e Granados.

 

Ao iniciar-se a Segunda Guerra Mundial chega a Madri o compositor Joaquín Rodrigo que, após três anos de exílio na Alemanha e França, em razão da Guerra Civil Espanhola, é convidado a ocupar um cargo na Rádio Nacional. A década de 1940 será especialmente importante na vida de Rodrigo: em 1941 nasce sua primeira filha, Cecília; em 1943 recebe o Prêmio Nacional de Música pelo Concierto heroico para piano e orquestra; ocupa de 1944 a 45 a direção do Departamento de Música da Rádio Nacional; conquista o primeiro prêmio do Concurso Cervantino, em homenagem aos 400 anos de nascimento de Cervantes, com a obra Ausencias de Dulcinea, e compõe, em 1949, o Concierto en modo Galante para violoncelo e orquestra.

 

Entre os gêneros musicais, aquele que o fez mundialmente reconhecido é sem dúvida o concerto para solista e orquestra. Entre suas obras somam-se pelo menos doze peças desse gênero, incluindo o famoso Concierto de Aranjuez de 1939, para violão e orquestra. Por diversas vezes, quando da composição de seus concertos, Rodrigo o fazia por encomenda de grandes intérpretes ou em contato com eles: Andrés Segovia na Fantasía para un gentilhombre, para violão e orquestra; James Galway no Concierto pastoral para flauta e orquestra; e Lloyd Webber Juliano no Concierto como un divertimento, seu segundo concerto para violoncelo e orquestra. Mas foi na composição do Concierto en modo galante que existiu a relação compositor-intérprete mais anedótica da vida de Rodrigo.

 

O Concierto en modo galante foi escrito a pedido de um importante violoncelista espanhol, Gaspar Cassadò, que prometeu a Rodrigo: “Eu irei tocá-lo, irei gravá-lo, verei se é possível publicá-lo em Paris”. Poucos meses depois, Rodrigo já havia atendido ao pedido do violoncelista que, ao ouvir os temas, ofereceu-se para escrever a partitura (como Rodrigo era cego, precisou sempre de ajuda para escrever suas partituras). Assim, durante o verão de 1949, Rodrigo e Cassadò trabalharam por longas madrugadas na escrita do concerto. Sua estreia se deu a 4 de novembro de 1949, no Palacio de la Música, em Madrid, com a Orquestra Nacional de España regida por Ataulfo Argenta. Após a première em Madrid, um ano se passou até que houvesse a segunda récita, em Roma. Embora tendo sido a obra bem recebida, Gaspar Cassadò começou a achá-la longa demais e cortou-lhe passagens que considerava desnecessárias (aliás, passagens nas quais o solista não tinha muito o que fazer). Quando veio a possibilidade de publicação da obra, a esposa do compositor, pianista Victoria Kahmi, deparou-se com as dificuldades de restaurá-la. Rodrigo, quando compôs esse concerto, mostrava-se resistente em escrever concertos, porém, convencido a fazê-lo por Cassadò, chegou finalmente à forma que lhe pareceu mais adequada, em que se sucedem um Allegretto Grazioso, um Adagietto e um Rondo Giocoso. A obra inspira-se no ambiente da Espanha do século XVIII e na música de Boccherini; apresenta caráter popular e alguma ironia. Sobre o concerto, diz Cassadò: “uma obra excelente que enriquece sensivelmente o repertório de violoncelo e orquestra. A economia de sua instrumentação faz com que resulte em uma das raras partituras nas quais o solista de violoncelo nunca fica afogado pelo peso da orquestra”.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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