Concerto para piano n° 5, op. 103

Camille SAINT-SAËNS

Camille Saint-Saëns começou a estudar piano antes dos três anos e, aos dez, já se apresentava em público tocando concertos de Beethoven e de Mozart. Sua primeira sinfonia, composta na adolescência, recebeu elogios de Liszt e suscitou o célebre comentário de Berlioz: “ele sabe tudo, só lhe falta inexperiência”. Em 1896, comemorando o Jubileu de Ouro como compositor, Saint-Saëns estreou, na sala Pleyel, seu quinto e último concerto para piano. Chamado “O egípcio”, foi motivado por uma viagem ao país do Nilo e contém alguns trechos que evocam o Oriente, embora de maneira apenas convencionalmente estilizada.

 

No primeiro movimento, Allegro animato, após breve introdução da orquestra, o piano apresenta o tema principal, de simplicidade arcaica, sobre o acorde de Fá maior. O segundo tema, de caráter lírico, desenho melódico instável e sincopado, em tom menor, é também confiado ao solista. Um elaborado diálogo entre os temas, com contrastes por vezes dramáticos, atinge grande densidade polifônica. No desenvolvimento, curiosamente, há uma citação da ária Mon coeur s’ouvre à ta voix, da ópera Sansão e Dalila, de autoria de Saint-Saëns. No final, omite-se a tradicional cadência virtuosística e a coda termina com o piano retomando o segundo tema.

 

O movimento seguinte, Andante, tem caráter rapsódico e pretensamente oriental. O tema do Allegretto central deriva, segundo indicações precisas do compositor, de uma nativa canção de amor ouvida por ele enquanto descia o Nilo. Entretanto, transfigurado pela sensibilidade europeia do compositor, o canto dos barqueiros núbios mostra-se aqui pouco característico e superficialmente exótico.

 

O Finale, molto allegro, exuberante e expansivo, desenvolve seus temas em numerosas variações pianísticas, sobre uma orquestração refinada. A coda apresenta um turbilhão de oitavas cintilantes e conclui a obra de maneira eminentemente virtuosística.

 

Saint-Saëns marcou profundamente a vida intelectual de seu tempo com a multiplicidade de suas atividades – compositor, pianista, organista, professor, maestro, influente crítico musical, revisor e editor de grandes autores do passado, poeta, dramaturgo, geólogo e astrônomo amador. Com o passar dos anos, consagrou-se internacionalmente, recebendo importantes títulos honorários e empreendendo longas turnês pelos cinco continentes. Em 1899 esteve no Brasil, apresentando na capital paulista seu Scherzo para dois pianos, ao lado de Henrique Oswald. Sua cantata Le feu céleste abriu a Exposição Universal de Paris (1900) e uma nova turnê norte-americana, em 1915, confirmou o imenso prestígio do compositor e pianista de oitenta anos.

 

Mas todo esse brilho não impediu o eclipse parcial de sua música, face às inúmeras correntes vanguardistas das primeiras décadas do século XX. O longevo compositor, ainda em plena atividade, parecia, então, anacrônico. Produto e artífice de uma época, Saint-Saëns manteve-se fiel à estética romântica que ajudara a consolidar e que lhe parecia suficiente aos seus propósitos expressivos. Inquestionável é sua importância histórica no renascimento da música instrumental francesa: em 1871, Saint-Saëns fundou a Sociedade Nacional da Música (à qual se filiaram César Franck, Massenet, Lalo, Fauré e Duparc, entre outros), voltada exclusivamente para a interpretação de obras de compositores franceses vivos.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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