Sinfonia concertante em Mi bemol maior, K. 297b

Wolfgang Amadeus MOZART

(1778)

Instrumentação: 2 oboés, 2 trompas e cordas.

 

Se se pode dizer que o espírito do século XVIII quis fazer uma espécie de faxina no que considerava excessos da linguagem barroca, uma visão moderna pode enxergar que a linguagem clássica conserva muitos elementos daquela que a precedeu. Já não se mencionem aspectos gramaticais, por assim dizer, que poderiam gerar controvérsias e discussões. Digam-se, portanto, de formas, procedimentos e estruturas. Ora, a sonata, por exemplo, tradução exponencial da mentalidade musical clássica, surge no Barroco, para se dizer o mínimo. Assim é que a música clássica faz também uma releitura de certas formas ou procedimentos anteriores, transmutando-os para a sua própria gramática. O concerto é uma dessas releituras.

 

Ao contrário do que se estabelece pelo senso comum, o modelo de concerto, formado por um único instrumento solista acompanhado por um grupo orquestral, como abraçado francamente pelo Classicismo, não era a prática mais frequente nem a mais cara ao músico barroco. Esse modelo, que tem em Vivaldi seu maior representante, foi a base do concerto clássico, aos moldes vienenses, que mais tarde varou a história da música até o século XX. Ao músico barroco, porém, parecia melhor e mais interessante o concerto grosso: o diálogo de dois ou mais solistas com o grupo orquestral.

 

O Classicismo soube fazer uma engenhosa releitura desse procedimento para a sua própria mentalidade musical, transportando-o para a forma sonata e delegando-o à orquestra sinfônica: eis aí a sinfonia concertante. Já Johann Christian Bach realiza esse movimento. Natural que Mozart, que teve contato muito próximo com o filho mais jovem de Johann Sebastian Bach, também o fizesse.

 

São duas as principais obras do gênero compostas por Mozart: a Sinfonia concertante para violino e viola, K. 364 e a Sinfonia concertante para clarinete, oboé, trompa e fagote, K. 297b. A concepção original desta segunda obra, ao que parece, foi para flauta, oboé, trompa e fagote. A partitura dessa versão, no entanto, nunca foi encontrada: sabe-se dela apenas pelas cartas de Mozart. É sabido, porém, que ele tinha certa idiossincrasia em relação à flauta e grande predileção pelo clarinete, instrumento criado no próprio século XVIII. Talvez daí a versão que se perpetuou e que é comumente executada hoje. Esta, aliás, já teve a sua autenticidade questionada. É de se notar o fato excepcional de que os três movimentos estão no mesmo tom de Mi bemol maior.

 

A despeito de tudo isso, observe-se ainda, na obra de Mozart, a importância que tomam tantas vezes os instrumentos de sopro. Para citar um mínimo exemplo, veja-se a expressividade do trabalho com a flauta, o oboé e o fagote no Et incarnatus est da Grande Missa em dó menor, sem falar de algumas óperas ou sinfonias. Essa atenção especial aos instrumentos de sopro gerou obras significativas, como o Quinteto para clarinete e cordas, o Concerto para flauta e harpa e a Sinfonia concertante em Mi bemol maior.

 

Assim como a História nos negou a data precisa de composição dessa obra (pode-se deduzir da correspondência de Mozart que foi antes de 25 de abril de 1778, em Paris), é também impossível identificar a data exata de sua estreia, como quase tudo antes do século XIX, por razões óbvias.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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