Sinfonia nº 1 em Ré maior

Charles Gounod

(1855)

A eterna Ave Maria, que ouvimos à exaustão em casamentos e nos alto-falantes das igrejas ou das emissoras de rádio, às seis horas da tarde, não faz justiça à música de Gounod. É uma bela melodia, por certo, que foi construída, quase como um exercício de composição, sobre os encadeamentos harmônicos do primeiro prelúdio do Cravo bem temperado de J. S. Bach. Talvez pela repetição excessiva não lhe reconheçamos mais a beleza, mas a obra de Gounod tem muitos outros momentos de um lirismo surpreendentemente franco e sincero, inventivo e original. Sua linguagem tem um papel determinante na orientação da música francesa do século XIX, sobretudo no gosto pela medida e pela clareza, e ele ocupa, sem dúvida, um lugar importante, junto com Berlioz e Bizet, que foi seu aluno.

 

Gounod é muito mais conhecido pelas suas óperas do que pela sua música instrumental. De fato, ao menos três de seus dramas são icônicos da cena oitocentista: Fausto, Mireille e Romeu e Julieta. Nelas, os trechos instrumentais revelam o grande sinfonista que teria sido, caso não se houvesse dedicado com tanto afinco ao gênero dramático ou à música vocal. Por outro lado, a sua música instrumental mostra o grande melodista que só a intimidade com a linguagem vocal pode construir: são doze óperas, diversas obras sacras (missas, oratórios e motetos) e um sem-número de canções.

 

Sua obra sinfônica, comparativamente, é pequena: apenas duas sinfonias, à parte uma Petite Symphonie e os fragmentos de uma terceira sinfonia, descobertos recentemente, alguns balés e umas poucas obras concertantes. As duas sinfonias de Gounod foram compostas em 1855, depois de ele já ter encenado, sem muito sucesso, suas duas primeiras óperas. É natural, portanto, que as duas sinfonias tenham pontos de convergência, mas elas diferem sobretudo em tamanho e em conceito. A segunda tem dimensões maiores e se aproxima, em certo sentido, de uma perspectiva mais romântica. A primeira tem as dimensões de uma sinfonia clássica, e sua linguagem remete de alguma forma a Mendelssohn, a quem Gounod conheceu quando residiu na Itália, principalmente no senso das proporções e no trabalho com a orquestração.

 

No entanto, é de se considerar alguns contrastes. Por exemplo, o terceiro movimento assemelha-se muito aos minuetos das últimas sinfonias de Haydn, mais que aos Scherzi de Beethoven. Por outro lado, o segundo movimento traz algo de ironia e de pantomima, e evoca a Marcha fúnebre para uma marionete, do próprio Gounod, composta bem depois. Nesse sentido pode-se dizer que, mesmo em sua música sinfônica, o teatro musical nunca o abandona por completo. Além disso, a leveza e a alegria do primeiro e do último movimentos são raros de se ouvir na música do século XIX. O que se depreende, como um todo, da Sinfonia, é um compositor seguro e ciente do que faz, com pleno domínio da técnica, mas sem deixar de lado a criatividade, a originalidade e um cativante melodismo, marca do próprio Gounod.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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