Sinfonia nº 2 em fá menor, op. 12

Richard STRAUSS

(1884)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Nunca é demais reforçar a importância que tiveram, na linguagem musical, as conquistas do movimento Romântico, no século XIX. É de se mencionar, por um lado, o campo da Harmonia, que, já mesmo com Chopin, abre o caminho para possibilidades até então insuspeitas, e que, com Wagner, prenuncia grandes tendências musicais do século XX, relativizando a tonalidade. Por outro lado, também o campo dos gêneros e formas musicais deve ao Romantismo pesquisas e experiências que, mais tarde, foram fundamentais para os novos caminhos da música no Ocidente. Para a mentalidade romântica, as experimentações nesse campo representaram uma vigorosa reação ao racionalismo iluminista do século XVIII, que impusera à expressão musical limites formais muito estreitos. O Classicismo do século XVIII encontrou na forma sonata seu máximo veículo de expressão. O Romantismo, por sua vez, reage vigorosamente à imposição formal que a sonata clássica delimita e, com isso, busca outros caminhos possíveis de expressão musical. Todo esse processo pode ser mais claramente notado à primeira vista na produção pianística romântica. Na música sinfônica, esse movimento de renovação formal parece se mostrar um pouco menos evidente, posto que presente: o sinfonismo romântico somente a muito custo conseguiu afrouxar os nós da Sinfonia, gênero cujo modelo fundamental é a própria forma sonata.

 

A despeito disso, é fato que surgem novos gêneros sinfônicos, que simbolizam essa ideologia de liberdade formal tão cara ao Romantismo: o poema sinfônico, por exemplo, aparece como nova alternativa para as expressões individuais. É de se especular o porquê de o universo sinfônico ter sido tão refratário às grandes inovações formais românticas. Grande parte disso se deve, provavelmente, ao paradigma maior da música sinfônica que o próprio Romantismo estabeleceu: as sinfonias de Beethoven. Tendo instituído Beethoven como modelo a ser explorado, expandido e transcendido, o Romantismo se vê acanhado em questioná-lo ou subvertê-lo. Assim é que, na mentalidade do compositor romântico, criar uma obra sinfônica significa aproximar-se, ainda que de forma pessoal, do grande paradigma beethoveniano: empresa ao mesmo tempo de grande empenho e de grande responsabilidade.

 

Antes de se consagrar internacionalmente como compositor, com seus poemas sinfônicos, Richard Strauss já havia empreendido pelo menos duas experiências criativas no universo da música orquestral: são desse período, em que o compositor ainda era bastante jovem, a Sinfonia nº 1 em ré menor (1880) e a Sinfonia nº 2 em fá menor (1884). Somente bem mais tarde ele voltou a se dedicar ao gênero: a Sinfonia Doméstica é de 1904 e a Sinfonia Alpina, de 1915. Estas duas últimas obras, bastante mais originais em concepção e estruturação formal, aproximam-se, nesses aspectos e em sua linguagem, de seus poemas sinfônicos e revelam um artista maduro, agora não mais preocupado em reverenciar o modelo beethoveniano que se revela nas duas primeiras.

 

A Sinfonia nº 2 em fá menor, op. 12, foi composta entre 1883 e 1884, quando o compositor ainda não contava com vinte anos! É de se esperar, portanto, que seus modelos ali transpareçam de alguma forma. Assim, não é de se estranhar que Strauss tenha invertido de lugar o Scherzo e o movimento lento, tal como Beethoven o faz na Nona Sinfonia. A própria orquestração não se afasta muito da orquestra e sonoridade beethovenianas, a despeito de já bem antes compositores como Berlioz (para dar um exemplo extremo) ou Wagner terem experimentado ampliações e novas combinações dos recursos tímbrico da orquestra sinfônica. O trabalho de desenvolvimento temático, sobretudo no primeiro movimento, também denuncia Beethoven, principalmente o da segunda fase, como grande paradigma. No último movimento, porém, Strauss faz uso de um recurso interessante, em certo sentido mais alinhado com seus contemporâneos: ele recupera, como fator de unidade, elementos temáticos dos movimentos anteriores e, curiosamente, o tema recuperado do terceiro movimento aparece antes do tema que ele recupera do segundo. Não obstante tudo isso, do ponto de vista melódico, é um Strauss bem consciente de sua capacidade criadora que se revela nessa obra, principalmente no Scherzo e no Andante cantabile.

 

A Sinfonia nº 2 em fá menor foi estreada no ano de sua conclusão, em Nova York, pela Orquestra Filarmônica de Nova York, sob a regência de Theodore Thomas. Um ano mais tarde ela foi estreada na Europa, regida pelo próprio compositor, em um concerto cuja primeira parte constava do Concerto para piano em dó menor de Mozart (K. 491). Strauss foi ele mesmo o solista e a cadência do primeiro movimento também era de sua lavra.

 

Talvez a Sinfonia em fá menor de Strauss não seja uma obra definitiva do ponto de vista histórico, nem tampouco definidora da sua linguagem, mas trata-se de uma peça bem construída e prenunciadora do grande artista que se revelaria mais tarde em Till Eulenspiegel ou em O cavaleiro da rosa.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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