Robert SCHUMANN
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.
Robert Schumann compôs quatro sinfonias: a primeira em 1841, a segunda em 1845, a terceira em 1850; a quarta é uma sinfonia inicialmente composta em 1841 que o autor retoma dez anos depois. Com nova orquestração, é reestreada em 1852 e publicada no ano seguinte como Quarta Sinfonia. Desde a criação da primeira delas, a op. 38, batizada “Primavera”, Schumann demonstrava certo interesse programático em suas criações sinfônicas. No entanto, preocupava-o o fato de que programas extramusicais viessem a sugestionar o ouvinte, restringindo a escuta. Buscava uma concepção mais voltada para a “tradução de sentimentos”, segundo alguns dos ideais de Goethe, e menos preocupada com a construção de imagens ou narrativas. Desse modo, em sua terceira sinfonia, o elemento renano que empresta o nome à obra é menos um rio ou uma catedral, e mais uma emoção vivida ao visualizar ambos, catedral e rio.
Sua Terceira Sinfonia é um marco, tanto em sua carreira pessoal quanto em sua concepção de música e temática. O ano que antecede sua composição é o mais produtivo de sua carreira, como ele mesmo declara em carta para o compositor, pianista e amigo Hiller. Em quase quarenta obras compostas em 1850, Schumann exploraria os mais diversos gêneros: poemas e novelas musicados dramaticamente (a exemplo do Fausto de Goethe), obras concertantes, peças para piano com objetivos didáticos (como o famoso ciclo Álbum para juventude, op.79), corais, baladas, ciclos de canções dramáticas, “poemas espirituais” para coro e orquestra e outras peças para piano solo.
Em março de 1850, Schumann aceita o cargo de diretor municipal de música de Düsseldorf, para o qual tinha sido convidado anteriormente. Chega definitivamente à cidade no dia 2 de setembro. Ali é recebido com homenagens, apresentações de suas obras, um jantar formal e um baile. A mudança de Dresden para Düsseldorf marca a passagem de um compositor liberal, voltado para si mesmo, para o funcionário público, músico e figura política. Tal mudança, de caráter social e profissional, implica readequações estéticas. Os conhecidos heterônimos utilizados pelo compositor em sua juventude — o lírico Eusebius e o vibrante e energético Florestan — saem de cena, abrindo espaço para uma linguagem menos fragmentária e mais conciliadora, mais preocupada com o público e com a transmissão de valores políticos. Desse modo, Schumann explora, ao menos nas obras para o grande público – concertos, ópera e sinfonia –, uma linguagem mais homogênea, mais sóbria, não apenas centrada em dilemas existenciais, mas também envolvida com a realidade política, com uma ideia de nacionalismo alemão.
Nesse contexto, a Terceira Sinfonia emerge como articulação entre subjetividade e objetividade, mundo interior e sociedade, deslumbramento e religião. Considerada por Tchaikovsky o ponto máximo da produção de Schumann, esta obra foi composta entre os dias 2 de novembro e 9 de dezembro de 1850. Atesta Wasielewski, regente da orquestra de Düsseldorf, que a Terceira Sinfonia é inspirada na catedral de Colônia, que o compositor visitou em setembro de 1850 e no início de novembro do mesmo ano, nesta última vez para a elevação do Arcebispo de Colônia ao título de Cardeal.
Assim como a sexta sinfonia de Beethoven, esta obra tem cinco movimentos, fazendo-se seguir o quinto ao quarto sem interrupção. O primeiro movimento, Lebhaft (vivo), sugere algo da terceira sinfonia de Beethoven. Trata-se de um tradicional movimento vivo em forma sonata, que impõe um fluxo contínuo e vigoroso. O segundo movimento é um Scherzo — sehr mässig (muito moderado). No entanto, o andamento contido, em contradição à rapidez e energia próprias do gênero scherzo, mais sugere um minueto galante. Composto como tema e variações, esse movimento foi inicialmente intitulado “manhã no Reno”. O terceiro movimento, Nicht schnell (não rápido), é despretensioso e lírico, ao molde das canções sem palavras de Mendelssohn, uma das maiores influências de Schumann. Cumpre um especial papel dentro da sinfonia, pois, ao fazer aí uso limitado da orquestra (sem o coro dos metais ou percussão), irá reforçar, no quarto movimento, com aquela ausência, a aparição do solene coral de trombones. Feierlich (solene), o quarto movimento, inspira-se na comemoração de investidura do cardeal de Colônia. A princípio, a indicação para o movimento era “com o caráter de acompanhamento para uma cerimônia solene”, mas, por fim, Schumann manteve apenas a expressão “solene”. Neste ponto, a orquestra retorna com toda a sua plenitude. Schumann combina harmonia e contraponto a fim de sugerir um estilo religioso. O último movimento, Lebhaft, retoma a vivacidade e a energia iniciais, para traduzir musicalmente o fluxo e a turbulência das opulentas águas do Reno.
A Sinfonia Renana, como sugere Kramer, expressa em sons aquilo que Goethe descreveu quando de sua visita à catedral de Colônia em 1823: a combinação de uma profusão de detalhes numa grandeza única, em gradual transição entre a perplexidade e o entendimento contemplativo.
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.