Sinfonia nº 6 em Lá maior

Anton BRUCKNER

(1881)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos e cordas.

 

A Sinfonia nº 6 foi concluída no início de setembro de 1881, no deslumbrante mosteiro barroco de São Floriano. Nesse mesmo convento, situado em uma paisagem bucólica e repleto de maravilhosas obras de arte, Anton Bruckner, aos treze anos, fora admitido como aluno, na condição de órfão pobre e bom cantor para o coro. Bruckner recordaria com carinho esses anos felizes – durante toda a vida permaneceu devotado e submisso aos ensinamentos religiosos dos monges que o educaram e nunca deixou de visitar com frequência o mosteiro, onde gostava de tocar órgão e buscava serenidade espiritual para compor.

 

O principal impulso de sua música sempre foi a religiosidade: “um místico gótico extraviado no século XIX” (nas palavras de Wilhelm Furtwängler). Bruckner criou, com idêntico espírito sacro, missas e sinfonias. Sua maneira de compor em blocos sonoros de colorações diferenciadas se inspira, claramente, na escrita para o órgão, instrumento religioso por excelência. Escreveu música para a glória de Deus, com a dedicação de um artífice e a certeza bíblica de que o trabalho enobrece o homem. Sob esse aspecto, a arte de Bruckner lembra a de Bach, a de César Franck; e antecede a de Messiaen.

 

Em contraste com sua prodigiosa inteligência musical, o compositor aparentava inaptidão quase patológica para as coisas práticas da vida. Ingênuo, protagonizou episódios comicamente ridículos que suscitaram preconceitos e sarcasmos ofensivos.

 

Quando conheceu a obra de Wagner, Bruckner, perto dos quarenta anos, iniciou com entusiasmo juvenil um novo período de experiências e ensaios. Embora dificilmente se possa imaginar um discípulo cuja personalidade fosse mais diametralmente oposta à do mundano e culto mestre de Bayreuth, a admiração de Bruckner por Wagner se transformou em veneração. Mais que uma influência, Tristan und Isolde significou para ele uma libertação, pois passou a assumir as próprias inovações. Entretanto, Bruckner manteve-se alheio às preocupações filosóficas e literárias da arte wagneriana, da qual só assimilou a ousadia harmônica e a ciência da orquestração. Mesmo assim, a admiração por Wagner rendeu-lhe a crítica cruel dos antiwagnerianos (entre outros, Hanslick e Brahms) e a alcunha de Sinfonista de Bayreuth. Suas obras, com destaque para as sete missas, o Te Deum e as nove sinfonias, nunca conseguiram ganhar a aprovação unânime de seus contemporâneos, apesar do empenho de regentes ilustres como Gustav Mahler e Hans Richter. A Sexta Sinfonia, por exemplo, só estreou sua versão integral no ano de 1901, em Stuttgart, após a morte do compositor.

 

Ela possui quatro movimentos – Majestoso, Adagio, Scherzo e Finale. Contrariando seus hábitos, Bruckner nunca a retocou e deu-lhe o apelido de Die Keckste (a mais ousada), em referência a seu caráter experimental. Em toda a Sinfonia, os diversos parâmetros – ritmos, alturas, tonalidades, linhas melódicas – são pensados seletivamente, explorando as possibilidades dialéticas da tensão repouso/dinâmica.

 

No início do Maestoso, as cordas estabelecem o motivo rítmico que dominará toda a partitura. O tema principal, Largo, surge em piano, nos violoncelos e contrabaixos. Após uma resposta das trompas, ele reaparece fulgurante em fortissimo orquestral. A flauta introduz um segundo motivo, em andamento muito mais lento. O desenvolvimento usa, sobretudo, elementos do primeiro tema. A reexposição conduz à brilhante Coda com o tema principal em todo esplendor e destaque para a marcação rítmica dos trompetes.

 

O Adagio, cuja solenidade é frequentemente suavizada pelas luzes pálidas do colorido orquestral, constrói-se sobre três temas. O tema principal, misterioso, aparece nos primeiros violinos e obtém melancólica resposta do oboé. A trompa e as madeiras fazem a transição para o sereno segundo tema nos violinos com um contracanto do violoncelo. O terceiro tema, de caráter sombrio, quase fúnebre, é novamente confiado aos primeiros violinos. A reexposição se faz nos moldes clássicos, e a Coda conduz aos harmoniosos acordes conclusivos dos violinos e das violas.

 

O belo Scherzo inspira-se em antigas melodias nórdicas que lhe conferem um fantástico clima lendário. Sobre as cordas graves e um curto motivo das violas e segundos violinos aparece o tema principal, compartilhado entre as madeiras e os primeiros violinos. Um clímax de grande intensidade antecede expressiva pausa. O lento Trio central é muito breve, com destaque para um maravilhoso motivo das trompas. Uma lembrança nas madeiras do tema inicial da Quinta Sinfonia do compositor antecede o retorno formal ao Scherzo.

 

O Finale possui três temas principais. O primeiro se desenvolve amplamente nos violinos sobre o pizzicato das cordas graves e um leve trêmulo das violas. A serenidade desse grupo é perturbada pelos violentos metais. O segundo tema, de caráter rítmico, aparece nas trompas. O lírico terceiro tema, confiado às cordas, apresenta um expressivo contracanto dos segundos violinos. O desenvolvimento orienta-se do tom maior para o menor. Após a reexposição temática, a Coda entrega o tema inicial aos retumbantes trombones.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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