Concerto para piano e sopros

Igor STRAVINSKY

Em 1922, Stravinsky vivia em Biarritz com a mãe, a esposa e quatro filhos e viajava constantemente a Paris, onde mantinha um estúdio sobre a fábrica de pianolas Pleyel. O número de pessoas que viviam sob seu teto era muito grande e ele não queria repetir os anos amargos da Primeira Guerra, quando tinha de recorrer aos amigos para sustentar a família. Sentiu que era hora de diversificar suas fontes de renda. Embora tivesse assinado lucrativo contrato com a Maison Pleyel para transcrever suas músicas para pianola, até então ele vivera, basicamente, dos royalties de suas obras. Desta vez, se não encontrasse algo a mais para fazer, poderia, no futuro, vir a sofrer a mesma sorte dos duros anos da Guerra. A primeira saída foi a regência; a segunda, a execução de suas obras ao piano.

 

Seu début como regente deu-se em outubro de 1923, na estreia do Octeto. Impressionado com o sucesso da obra, Koussevitzky o convidou a compor uma nova peça para 1924. Começava a composição do Concerto para piano e sopros. Durante visita a Biarritz, Koussevitzky propôs a Stravinsky que tocasse a parte do piano na estreia. Esse Concerto foi, assim, a primeira de uma série de peças para piano, com ou sem acompanhamento, que Stravinsky comporia para seu próprio uso. A composição ficou pronta em 21 de abril de 1924. A estreia, em 22 de maio, na Ópera de Paris, com regência de Koussevitzky, lançou Stravinsky como pianista concertista. Ele deteve os direitos de exclusividade de performance por cinco anos e executou o Concerto mais de quarenta vezes em público.

 

A primeira surpresa que a obra nos causa é a supressão das cordas da orquestra. Apenas os contrabaixos permanecem. A escrita para o piano é extremamente percussiva, em contraste com a sonoridade contínua dos sopros. Se a Sinfonia para instrumentos de sopros (1920) marca o fim da fase russa, o Concerto para piano e sopros está entre suas primeiras obras neoclássicas, ao lado da ópera Mavra (1922), o Octeto (1923), Sonata para piano (1924) e Serenata para piano (1925).

 

No Concerto para piano e sopros percebe-se a utilização consciente de material musical à moda de Bach e Haendel. Stravinsky, no entanto, procede de acordo com seu próprio espírito, de tal modo que o resultado sonoro é sempre stravinskiano, nunca bachiano ou haendeliano. O primeiro movimento tem uma introdução lenta nos sopros que lembra a abertura francesa barroca. Com a entrada do piano surge uma vibrante toccata que desembocará, mais tarde, em fragmentos da introdução. O segundo movimento inicia-se com um tema lírico ao piano, respondido, volta e meia, pela orquestra. Após breve cadência do piano, orquestra e solista seguem se alternando. No terceiro movimento, tem lugar nova toccata. Ao final, trechos da introdução do primeiro movimento se desmancham em brevíssima pausa quando, de repente, espetacular irrupção de todos os instrumentos conduz ao final da obra.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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