Terceira Construção

John CAGE

(1941)

 

Instrumentação: Tambores, latas, prato chinês, maracas, claves, chocalhos, tambor de língua, matraca de madeira, roncador, roncador baixo, sinos de vaca, pandeiro, queixada, concha, bambus.

 

A liberdade absoluta da arte de John Cage, com sua criatividade aberta, jovial e inovadora, mudou radicalmente a maneira de se fazer e ouvir Música, a partir do final da década de 1930. Os principais polos norteadores dessa obra se encontram, sobretudo, na importância dada à busca de novas sonoridades, na preocupação com a duração musical e na aceitação do acaso como processo fundamental de criação. Em algumas de suas peças, as escolhas de timbres, durações de tempo e alturas de sons são determinadas pelo lançamento de moedas ou pela seleção de cartelas – com orientações apenas básicas fornecidas pelo compositor –, confiando ao intérprete grande liberdade de decisão.

 

Sob a influência das filosofias e da arte contemplativa do Extremo Oriente, entusiasmado pelo zen-budismo e pelo livro chinês do I Ching, Cage admitiu e instituiu a indeterminação nos atos de composição e execução musicais. A peça Imaginary Landscape, por exemplo, composta em 1951, utiliza doze rádios, vinte e quatro intérpretes (dois para cada “instrumento”) e um maestro. Em cada rádio, um músico maneja o mostrador de sintonização e o outro controla a intensidade de som. A partitura indica com precisão quais são os comprimentos das ondas a captar, as gradações (desde o pianíssimo ao fortíssimo) e os momentos de silêncio. Evidentemente, o resultado da performance estará condicionado à natureza dos programas radiofônicos transmitidos no momento da execução (forçosamente de emissoras diferentes, segundo o lugar e a hora onde a peça é executada).

 

Interessado em pintura e literatura, John Cage cedo rebelou-se contra o ensino tradicional e abandonou a escola. Estudou música oriental e folk music com Henry Cowell, harmonia e composição com Adolph Weiss e por dois anos foi aluno de Arnold Schoenberg (que residia então em Los Angeles). Quando Cage passou a compor principalmente para conjuntos de percussão, substituiu os princípios dodecafônicos schoenberguianos por métodos construtivos baseados em proporções rítmicas. O trabalho com a percussão dava-lhe a oportunidade de se libertar do domínio exercido pela melodia e pela harmonia na música ocidental. Em 1938, em Seatle, Cage encontrou o coreógrafo Merce Cunningham, seu mais importante parceiro artístico. A associação com a dança (que se estenderia por toda sua carreira) o incentivou ainda mais a formar um primeiro grupo de percussionistas. Para ele, a percussão estava naturalmente ligada à linguagem corporal e às atividades físicas cotidianas das pessoas. Seu instrumental inclui latas de conserva, aparelhos elétricos, peças de automóveis, ao lado dos instrumentos mais tradicionais. Cage organizou orquestras de percussão em São Francisco, Chicago, Nova York e, com o objetivo prático de permitir que um único instrumentista obtivesse o resultado de toda uma banda percussiva, criou o “piano preparado”, instalando objetos variados – como pregos, peças de borracha e papel – nas cordas do instrumento tradicional.

 

As três Construções para percussão foram compostas entre 1939 e 1941. A Terceira possui uma estrutura rítmica de 24 ciclos, cada um deles formado por 24 compassos. Além de instrumentos criados de maneira pouco ortodoxa, os quatro percussionistas requisitados usam o instrumental habitual das orquestras ocidentais, ao lado de “exóticos” chocalhos chineses, indianos e um teponaztli azteca.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

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