Danças Fantásticas

Joaquín Turina

Turina começou a estudar música quando garoto, na sua cidade natal. Em 1902, aos 20 anos de idade, partiu para Madri, para aperfeiçoar suas técnicas pianística e composicional. Um dia, na galeria do Teatro Real, conheceu Manuel de Falla. Seis anos mais velho, Manuel de Falla era de Cadiz, vizinha de Sevilha, e também estudante de música em Madri. Os dois jovens andaluzes logo se tornaram grandes amigos.

 

Em 1905 Madri ficara pequena para os estudos musicais e Turina mudou-se para Paris. Em Paris ele entrou em contato com as principais correntes musicais europeias. Pouco depois, escrevia a Manuel de Falla aconselhando-o a também mudar-se para a capital francesa. Manuel de Falla chegou a Paris em 1907 e, naquele ano, no Salão de Outono, sentou-se na plateia para assistir a uma apresentação do Quinteto em sol menor de Turina, com o próprio Turina ao piano. Um senhor gordo, de barba negra e chapéu com abas largas, sentou-se ao lado de Manuel de Falla e perguntou-lhe se o compositor daquele Quinteto era inglês. “Não. Ele é de Sevilha.” Logo após o concerto, escreve Turina: “o senhor gordo, acompanhado do vizinho de poltrona [Manuel de Falla], caminhou até mim e, com a maior cortesia, pronunciou seu nome: ‘Isaac Albéniz’. Meia hora depois caminhávamos os três de braços dados pelas ruas de Paris. Instalamo-nos em uma cervejaria e, ali, entre uma taça de champagne e uma fatia de torta, sofri a metamorfose mais completa de minha vida.”

 

Albéniz mostrou a Turina que ele deveria parar de compor música internacional e começar a resgatar suas origens andaluzas. A partir daquele momento sua música passou por uma mudança irreversível, tornando-se a expressão fiel da música folclórica espanhola, principalmente daquela ouvida nas ruas de Sevilha.

 

Em 1919, já vivendo em Madri, compôs as Danzas Fantásticas, a mais conhecida de suas obras, originalmente composta para piano, entre os dias 11 e 29 de agosto. Percebendo seu enorme potencial orquestral, Turina orquestrou-a entre 15 de setembro e 30 de dezembro do mesmo ano. A estreia deu-se no dia 13 de fevereiro de 1920, no Teatro Price, em Madri, pela Orquestra Filarmónica de Madrid, sob a regência de Bartolomé Pérez Casas. A estreia da versão para piano foi apresentada pelo próprio compositor, quatro meses mais tarde, no dia 15 de junho de 1920, na Sociedad Filarmónica de Málaga.

 

A obra, escrita em três movimentos, foi inspirada na novela Orgía, de José Más. O primeiro movimento (Exaltación) é uma mistura da jota aragonesa com a seguidilla. Tanto a jota aragonesa como a seguidilla são danças ternárias. A jota aragonesa, manifestação musical folclórica de origem religiosa, é uma dança lenta. A seguidilla é uma dança rápida, originária da Espanha central, que alterna trechos improvisados na guitarra com trechos cantados. O segundo movimento (Ensueño) possui três seções (A-B-A), sendo as seções A baseadas no zortzico basco, e a seção central uma mistura de ritmos andaluzes. O zortzico é uma típica dança popular basca em cinco tempos que se subdividem em 1-2-2. O terceiro movimento (Orgía) é uma farruca andaluza. A farruca é uma dança rápida e dramática, em oito tempos, sendo acentuados todos os tempos ímpares (1-2, 3-4, 5-6, 7-8), o que lhe dá uma fluidez binária.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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