Variações sobre um tema de Haydn, op. 56a

Johannes Brahms

(1873)

Com as Variações sobre um tema de Haydn, Brahms alimenta, de modo eloquente, a discussão em torno de um importante motor de sua produção musical: o jogo de forças representado pelo Classicismo e pelo Romantismo. Com efeito, os ideários dessas forças, com tudo que representam em termos da diversidade de concepções estéticas e de realizações composicionais, parecem estar no cerne da criação brahmsiana. Se considerarmos ainda seu compromisso com a história e com as transformações da linguagem musical, aliado à sua reverência a Beethoven, em particular às sinfonias do ilustre predecessor – que lhe impuseram um longo período de gestação à Primeira Sinfonia –, acrescentaremos um dado importante ao contexto das Variações. É durante esse período que Brahms prepara-se para a sinfonia, mas o faz assumindo o desafio em outro domínio no qual Beethoven também havia atingido uma arte consumada. As transformações às quais é submetido um tema alcançam, nas variações beethovenianas, um tal grau de complexidade, que a semelhança com o ponto de partida diminui, ao longo do percurso, e o compositor muitas vezes mantém apenas traços do original – entre os quais fragmentos melódicos, estruturas harmônicas, motivos rítmicos – nem sempre perceptíveis, senão após várias audições. O tema das Variações, cuja autoria, hoje, é atribuída a um aluno de Haydn, foi extraído do segundo movimento de um Divertimento para instrumentos de sopro. Dele, a harmonização de uma singela melodia de peregrinos – Coral de Santo Antônio – é mantida na íntegra por Brahms. As notas repetidas, ao final do Tema, são o traço comum entre este e a Primeira Variação, mas o compositor já nos conduz a um terreno distante. Aqui, não apenas a orquestração oferece um contraste marcante com o Tema, mas também as transformações melódicas e a textura polifônica. Em 1872, em carta a Clara Schumann, Brahms havia mencionado a assiduidade com a qual se dedicava ao estudo do contraponto. No ano seguinte, com as Variações, o compositor legou-nos uma de suas realizações mais importantes no domínio da escritura contrapontística, que permeia toda a obra. Quanto à variedade e aos contrastes, tratados segundo um princípio de unidade na diversidade, a consideração de Schoenberg a respeito da observância, em Brahms, da “concepção sistemática do aspecto global de um movimento” bem se aplica às Variações. A ideia de um todo coeso é plenamente realizada, ainda que cada variação caracterize-se seja pela rítmica – vigorosa como um movimento de marcha, na Sexta Variação, ou leve como um movimento de dança, na Siciliana da Sétima Variação –, seja pela mudança de modo – como na tonalidade menor das Variações II, IV e VIII –, seja ainda por características particulares de melodia e de orquestração. Rigorosa em sua arquitetura formal de linhas clássicas, a obra segue um caminho no qual a alma brahmsiana deixa aflorar um quê do pathos romântico e, no Finale, vai buscar em uma das formas mais caras ao período Barroco, a Passacalha, os passos, a partir de um tema solene, para conduzir as Variações à sua grandiosa conclusão.

 

Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais

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