La gazza ladra: Abertura

Gioacchino Rossini

(1817)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Filho do trompista municipal de Pesaro (Marche, Itália), Rossini iniciou, aos doze anos, a composição de alguns quartetos que lhe renderam, pela visível influência haydniana, a alcunha de il tedeschino (o alemãozinho). Vinte anos depois, em 1824, quando Beethoven apresentou em seu último concerto vienense a Nona Sinfonia e a Missa Solemnis, os empresários exigiram que, no intervalo, uma cantora oferecesse ao público uma ária de Rossini, o músico mais conhecido e idolatrado do seu tempo. Cinco anos mais tarde, rico e célebre, o compositor italiano abandonava definitivamente a ópera para viver em Paris seus próximos 39 anos, como um bon vivant dedicado sobretudo à culinária.

 

No final do século XVIII, na Itália da Restauração, a ópera tornara-se a verdadeira paixão nacional, e os italianos exigiam títulos novos a cada temporada. Rossini acumulava qualidades adequadas a essa velocidade de trabalho alucinante: inspiração melódica excepcional, exuberante técnica de improvisador e um instinto teatral infalível. O segredo do criador de O barbeiro de Sevilha reside na incomparável vivacidade de sua música, de uma verve inédita, concretizada em recursos sem antecedentes à época, como os crescendi de efeito irresistível – um tema, a princípio apenas esboçado, caminha em repetições de intensidade crescente até um fulgurante estrondo orquestral. Ainda mais admirável é sua capacidade de escrever delicadas e cativantes melodias, expressivas de afetos como a melancolia, a tristeza e outros sentimentos afins do gosto pré-romântico. Tais recursos fazem de Rossini o compositor mais original do primeiro Romantismo italiano, fugindo do convencionalismo de seus ilustres predecessores, Cimarosa e Paisiello.

 

Seu sucesso deve muito à rapidez com que transcrevia a inspiração para a pauta. E ele teve a sabedoria de não se levar demasiadamente a sério: — “Eu tinha facilidade e poderia ter feito alguma coisa…” afirmou, mais tarde, a Wagner. Grande autor cômico, Rossini sabia tirar partido de situações absurdas dos libretos: — “Deem-me uma lista de lavanderia e eu a porei em música”, dizia.

 

Exemplo típico de ópera semisséria, alternando elementos trágicos e cômicos, La gazza ladra baseava-se em um fato real: o julgamento de uma criada, injustamente acusada de furto. Depois de sua condenação à morte, descobriu-se que as joias tinham sido apanhadas por uma pega, ave que costuma roubar objetos e levá-los para seu ninho. Apesar desse libreto pouco plausível, a ópera tornou-se mais um retumbante sucesso na carreira do compositor. A alegre Abertura consolidou-se como peça isolada de concerto e, confirmando sua popularidade, foi incluída por Stanley Kubrick na trilha sonora de seu filme Laranja Mecânica. Inicia-se com brilhante rufar de tímpanos (dois personagens são soldados que retornam da guerra) e mostra uma cintilante orquestração, de brilho e habilidade ímpares, colorindo as irresistíveis melodias. Um crescendo tipicamente rossiniano conduz à conclusão de grande efeito teatral.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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