| 14 nov 2018
Depois de percorrermos várias partes do mundo, retornamos para o conforto do lar. No dia 17 de novembro, último sábado Fora de Série de 2018, trazemos a alegria da música do nosso povo.
por Paulo Sérgio Malheiros dos Santos *
Em 1857, em pleno reinado da ópera italiana, Dom Pedro II fundou no Rio de Janeiro a Academia Imperial de Música e Ópera Nacional, instituição onde Carlos Gomes deu seus primeiros passos no melodrama. Filho do maestro da banda de música de Campinas, o jovem compositor viria a ser o primeiro artista brasileiro a adquirir fama internacional – na Itália de Verdi. Vivendo um momento decisivo da história do Brasil, entre o Império e a República, Carlos Gomes contemplou o indianismo romântico (O Guarani), o abolicionismo (O Escravo) e tornou-se um ídolo popular, orgulho da nação. Depois de uma sequência de sucessos, a estreia de Maria Tudor no Scala de Milão marcou o primeiro dos reveses finais na carreira do compositor. Gomes, entretanto, tinha especial consideração por essa partitura, cuja Abertura incluía entre suas melhores realizações.
O Segundo Império marcou-se também pela importância dada à música instrumental: na década de 1880, fundam-se as primeiras sociedades (clubes) de câmara no Brasil. No Rio, Carlos Mesquita apresentava os prestigiados Concertos Populares, lançando novos compositores, como seu aluno Francisco Braga. Órfão e pobre, Braga foi, aos sete anos, admitido no Asilo dos Meninos Desvalidos, integrando a banda da instituição como clarinetista. Laureado, estudou em Paris, na classe de Jules Massenet. O Episódio Sinfônico, inspirado em poema de Gonçalves Dias, demonstra sua vocação de compositor prioritariamente orquestral. Braga manteve-se fiel às normas estéticas românticas do final do século XIX; entretanto, alguns de seus alunos – durante trinta anos, ele lecionou no Instituto Nacional de Música – tornaram-se expoentes do nacionalismo e do modernismo brasileiros, como Villa-Lobos e Lorenzo Fernandez.
O próprio Francisco Braga regeu a estreia da suíte Reisado do Pastoreio, em três movimentos, de Lorenzo Fernandez. O Batuque final causou entusiasmo. É a peça mais conhecida desse compositor eclético que se dedicou a vários gêneros. Foi parceiro de Villa-Lobos em muitas atividades musicais e, se sua carreira não fosse inesperadamente interrompida aos cinquenta anos (na véspera de sua morte, fora muito aplaudido, ao reger um concerto na Escola Nacional de Música), Lorenzo Fernandez poderia ter tido destaque semelhante ao do amigo.
A trajetória internacional de Villa-Lobos consolidou-se nos anos 1920, em Paris, metrópole das vanguardas artísticas. Inserindo-se nessa modernidade, aclamado como o “compositor dos trópicos”, compõe então a série dos dezesseis Choros, como singular contribuição brasileira ao panorama musical internacional. De volta ao Brasil, Villa-Lobos inicia uma fase neoclássica e, entre 1930 e 1945, dedica-se à coleção das Bachianas Brasileiras, reverenciando, na figura de Bach, a tradição da música ocidental. Cada uma das nove Bachianas destina-se a um conjunto instrumental diferente. A de nº 6 – a única de formação camerística – evoca os chorões cariocas em seu duo de flauta e fagote.
Como Carlos Gomes e Villa-Lobos, Camargo Guarnieri só consagrou-se em seu país após o reconhecimento internacional. A partir de 1942, o compositor visitou regularmente os Estados Unidos; tornou-se amigo de Copland, de Bernstein e, a convite de Serguei Koussevitzky, regeu a Sinfônica de Boston. A Brasiliana foi encomendada pela Koussevitzky Music Foundation. Em três movimentos, a suíte mantém-se fiel à estética nacionalista de Guarnieri, sob a premissa de que a verdadeira música brasileira formara-se nos ambientes populares – indígenas, folclóricos, rurais ou urbanos. Após a primeira audição mundial em concerto, Brasiliana estreou como balé no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em abril de 1952.
Eli-Eri Moura, nascido em Campina Grande, leciona Composição na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Sua obra é vultosa e premiada em vários festivais brasileiros e internacionais. Compôs duas óperas, peças para grupos de câmara, coro, orquestra, utilizando procedimentos da música contemporânea em interação com elementos de manifestações musicais populares brasileiras. Dedica-se frequentemente à música incidental para vídeo, teatro e cinema, quando utiliza uma linguagem mais tradicional. A peça Uiramiri foi apresentada com grande sucesso em 2009, na XVIII Bienal de Música Brasileira Contemporânea.
* Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.
[Ilustra esta página uma imagem da entrada do Rio de Janeiro, vendo-se o cais Pharoux e arredores, feita aproximadamente em 1875 por Marc Ferrez, principal fotógrafo brasileiro do século XIX. © Marc Ferrez/Acervo IMS.]
REFERÊNCIAS
Para ler
Bruno Kiefer – História da Música Brasileira (Movimento – 1977)
Bruno Kiefer – Villa-Lobos e o Modernismo na Música Brasileira (Movimento – 1986)
Vasco Mariz – História da Música no Brasil (Nova Fronteira – 2005)
Lorenzo Mammì – Carlos Gomes (Coleção Folha Explica | PubliFolha – 2001)
VILLA-LOBOS
Para ouvir
CD Latin-American Classics: Heitor Villa-Lobos – Pequena Suíte; Bachianas Brasileiras nos 2, 5 e 6; Assobia a jato; Capriccio; Prelúdio; Elégie | Rebecca Rust, violoncelo; David Apter, piano; Emmanuel Pahud, flauta; Friedrich Edelmann, fagote (Marco Polo – 1994)
Para assistir
Santiago Clemenz, flauta – Florencia Fogliati, fagote
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=i3jMF3hIuW4
CARLOS GOMES
Para assistir
Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto – Cláudio Cruz, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=mS_ObKKQCKI
FRANCISCO BRAGA & LORENZO FERNANDEZ
Para ouvir
CD Episódio Sinfônico – Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas | Benito Juarez, regente – Francisco Braga, Episódio Sinfônico; Guerra-Peixe, Tributo a Portinari; Lorenzo Fernandez, Reisado do Pastoreio; Francisco Mignone, Congada; Fructuoso Viana, Dança de Negros; Almeida Prado, Amém (Eldorado – 1993)
Para assistir
Episódio Sinfônico
Orquestra Simón Bolivar – Roberto Tibiriçá, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=AxKMQ08Z-3A
Batuque
Orquestra Sinfônica Brasileira – Roberto Minczuk, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=p7QO3APVTIU
Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
No dia 20 de outubro, nossa Orquestra dedica um concerto inteirinho à Alemanha romântica de Schumann, Beethoven, Mendelssohn e Richard Strauss.
No dia 29 de setembro, nossa Orquestra traz para o palco da Sala Minas Gerais a Dinamarca com Nielsen, a Noruega com Grieg, a Suécia com Alfvén e a Finlândia com Sibelius.