Papagaio do Moleque

Heitor VILLA-LOBOS

(1932)

 

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, celesta, piano, 2 harpas , cordas.

 

Em 1941, Villa-Lobos visitou – levando o compositor norte-americano Aaron Copland – um ensaio da sua escola de samba preferida, a Mangueira, cujo samba ele considerava “o mais puro, o mais autêntico”. A retribuição da honrosa visita veio em 1966, sete anos após a morte do compositor brasileiro, quando a Estação Primeira se apresentou na Avenida sob o enredo “Exaltação a Villa-Lobos”, cantado por Jamelão. Compunha o desfile um bloco de crianças soltando papagaios de papel, um deles em maior tamanho para representar o homenageado, a brincar quando “moleque”. Segundo relatos de amigos de Villa-Lobos, soltar pipa era uma brincadeira que ele nunca abandonou, e se gabava de saber construir diferentes tipos do brinquedo. Na Avenida, o bloco dos foliões mirins era o símbolo da eterna alma de criança do menino Tuhú, hoje Compositor das Américas, que muito criou inspirado pelo universo infantil brasileiro, suas estórias, brincadeiras e cantigas de roda. A Mangueira ficou em segundo lugar, mas contagiou o público e arrebatou lágrimas da viúva do compositor, Mindinha.

 

O bailado O Papagaio do Moleque, escrito em 1932 (ano em que Villa-Lobos foi nomeado Superintendente da Educação Musical e Artística do Brasil), é dedicado ao bailarino ucraniano Serge Lifar que, em 1934, protagonizou a coreografia dos Choros nº 10 (ou bailado Jurupari), regido por Villa-Lobos no Rio. A estreia da versão para orquestra ocorreu em 1948, na Salle Gaveau, em Paris, com a Orchestre des Concerts Pasdeloup sob a batuta do compositor. Ele se referia à obra – classificada como “episódio sinfônico” na edição francesa – como um “poema sinfônico humorístico”. E, para que fosse coreografada, adicionou-lhe uma imaginativa descrição: “um garoto negrinho, com seu maço de jornais a tiracolo, sentado à beira de um terraço de um arranha-céu que acabara de subir, diverte-se em soltar seu papagaio colorido e fascinante sob o sol. O papagaio, bem governado, agita-se inquieto em rápidas reviravoltas, tumultuosas e violentas. Ouve-se um piano que executa pitoresca valsa lenta. De terraços vizinhos surgem companheiros de maus instintos com seus perigosos papagaios caçadores. Trava-se a luta. Os facínoras dão cambalhotas no ar e, dominando o vento, investem (sobre) o belo papagaio iluminado pelo brilho do céu. Ele se oculta tentando escapar e o consegue por um instante… Apavora-se… Entontece e, de repente, é enlaçado… Inesperadamente, a audaz presa vence e a batalha termina.” Segundo Eurico Nogueira França, “essas evoluções aéreas são sugeridas em duas flautas e nos arcos, mas logo um incisivo tema folclórico vem exposto em solo de flautim e nos violinos.” A delicada valsa lenta, interpolada pelo piano, é um dos aspectos mais marcantes da obra. Além disso, ela indica o fim da longa apresentação temática e o início do curto desfecho no qual se desenrola a “batalha”. Considerado o compositor brasileiro mais prolífico, Villa-Lobos possuía uma escrita rápida e criava constantemente; contudo, dizia que as músicas nascidas no papel morrem no papel. Era um apologista da música unicamente pelo som, pela ideia sonora e, para ele, o papel era só um meio de fazer da música som novamente, retorná-la ao ar e fazê-la subir, colorida, como um papagaio.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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