Abertura Cubana

George GERSHWIN

(1932)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Comparações são sempre temerárias, mas nunca deixam de ser interessantes. Se, despretensiosamente, fizéssemos um paralelo entre George Gershwin e Heitor Villa-Lobos, veríamos grandes coincidências. Villa-Lobos nasceu em 1887. Gershwin, 11 anos depois (1898). Embora Villa-Lobos tenha vivido bem mais tempo que Gershwin (que morreu aos 39 anos), ambos compartilharam um lapso de tempo em que produziram obras significativas de sua carreira: os Choros de Villa-Lobos, para dar um único exemplo, começaram a ser compostos em 1924, mesmo ano de composição da Rapsódia em Blue, de Gershwin. Certas melodias de Villa-Lobos há muito já se incorporaram ao cancioneiro e ao imaginário popular do Brasil. Da mesma forma, certas canções de Gershwin (que, por razões político-econômicas, têm um alcance mais abrangente) incorporaram-se à cultura popular não apenas estadunidense, mas universal. Como músico, Villa-Lobos transitava abertamente e sem qualquer cerimônia por entre os domínios da música dita popular, do folclore e da música dita erudita. Gershwin, da mesma forma, não hesitava em compor a música para peças musicais da Broadway. Villa-Lobos deve grande parte de seu idioma musical às tradições musicais afro-americanas. Gershwin tem, confessadamente, no jazz e no blues (cujas raízes também são afro-americanas), sua fonte primária. Quer se trate de coincidências, quer se trate de uma espécie de Zeitgeist que permeava ambientes culturais distanciados do polo europeu centralizador, consciente ou inconscientemente determinados a traçar a sua própria trilha e a declarar a sua independência cultural, é certo que, a partir dessa comparação poder-se-ia estabelecer uma curiosa razão aritmética: Villa-Lobos está para o Brasil assim como Gershwin está para os Estados Unidos.

 

O princípio do século XX se vê fascinado pelo jazz. O jovem Ravel, por exemplo, não esconde seu entusiasmo, traduzido depois na Sonata para violino, no Concerto em sol para piano, em certas passagens de L’enfant et les sortilèges. No entanto, o movimento que Ravel realiza em relação ao jazz é vetorialmente contrário ao de Gershwin. Um enxerga no jazz um caminho possível para novas conquistas expressivas e para certo distanciamento do sistema tonal. O outro enxerga, justamente na música de concerto, um caminho possível para a legitimação social e cultural de uma linguagem musical até então segregada (por razões inclusive políticas) a um segundo plano da Cultura.

 

A Abertura Cubana (primeiramente intitulada Rumba) foi composta bem antes de se instalar a tensa idiossincrasia entre Cuba e os Estados Unidos. Motivada por umas férias que Gershwin passara em Havana em fevereiro de 1932, ela foi composta entre julho e agosto do mesmo ano e estreada no mês de sua conclusão. Repleta de citações e apropriações de melodias e ritmos caribenhos, com uma orquestração exuberante, que não hesita em lançar mão da percussão, trata-se de uma obra que, pela importância de Gershwin no contexto musical do Ocidente e pela sua excelência como artista criador, independentemente dos preconceitos de gêneros musicais, sabe, com leve ironia, transitar na região fronteiriça em que Gershwin sempre se manteve.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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