Sinfonia nº 9 em mi menor, op. 95, “Do Novo Mundo”

Antonín DVORÁK

(1893)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, cordas.

 

Há quem queira posicionar Dvorák como um nacionalista. Porém, não há nele a preocupação consciente de construir uma identidade nacional através da expressão musical. Nem tampouco há a intenção manifesta de pontilhar de exotismos regionais os fundamentos da linguagem romântica. Se isso transparece em sua obra, é mais por uma identificação profunda entre seu espírito criativo e as fontes regionais de que se origina, que por ação planejada. Mas Antonín Dvorák pertence a uma escola nacional tcheca, que nasce do Romantismo, inaugurada por Smetana, e se estende até pelo menos a primeira metade do século XX. Assim, tem a fonte de sua linguagem no folclore boêmio, cujas características ele assimila e que nunca procura negar em sua obra. Sua linguagem não se destaca por inovações formais ou por quaisquer experiências estruturais. Tendo crescido no berço do Romantismo, contenta-se com ele para seus caminhos expressivos.

 

Dvorák construiu, de forma gradual e sólida, sua carreira de músico. Em 1891, já célebre, assume o posto de professor de Composição no Conservatório de Praga. No ano seguinte, assume nos Estados Unidos a direção do então Conservatório de Nova York, onde permanece até 1895. São desse período obras significativas de sua produção, como o Quarteto op. 96 e a Sinfonia em mi menor op. 95, “Do Novo Mundo”. Dentre seus alunos em Nova York, havia um rapaz negro que lhe deu a conhecer os spirituals americanos, com a metáfora das imagens bíblicas, a tragédia e o sofrimento da escravidão na América e dos africanos desterrados. O interesse despertado em Dvorák por esse gênero musical é o fundamento do célebre tema do segundo movimento da Nona Sinfonia, cujo solo de corne inglês constitui evocação da melodia pungente que muitas vezes caracteriza os negro spirituals.

 

Estreada no Carnegie Hall no ano de sua criação, a obra conquistou sucesso imediato, que perdura até hoje. Nessa Sinfonia, Dvorák realiza também, com o elemento musical folclórico norte-americano, um processo de assimilação análogo ao que se observa em relação ao folclore boêmio no contexto de sua obra. Esse processo, aqui, é consciente, e manifesto pelo próprio compositor, que afirmou não ter utilizado temas da música nativa norte-americana, mas, sim, ter-se utilizado dos fundamentos essenciais dessa música para elaborar seus próprios elementos originais. Não se pode dizer, com isso, que na Sinfonia op. 95 Dvorák tenha abandonado suas fontes boêmias em função da descoberta de uma nova linguagem. Ao contrário, esses novos elementos agregam-se, na Nona Sinfonia, àqueles que até então lhe haviam servido de fonte, para, aí, criar uma espécie de linguagem multicultural.

 

Dessa forma, não é apenas pela qualidade artística e pela franqueza espontânea de seu trabalho melódico que a Sinfonia op. 95 adquiriu a importância que tem até hoje. Esse processo de destilação dos elementos de linguagens musicais regionais e a associação desses elementos a outros – esse multiculturalismo – anunciam processos criativos que nortearam correntes importantes da música do século XX, fundamentando obras como a de Bartók, Falla, Villa-Lobos, Ginastera e diversos compositores norte-americanos.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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