O chapéu de três pontas: Suíte nº 2

Manuel de Falla

(1921)

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, piano, cordas.

 

Manuel de Falla nasceu em Cádiz, andaluz por parte de pai e catalão pelo lado materno. Desde cedo, familiarizou-se com a música folclórica andaluza na sua forma mais genuinamente popular e cotidiana. Estudou na Real Academia de Madrid com o grande musicólogo Felipe Pedrell (que também fora professor de Albéniz e Granados).

 

Mas os rumos da carreira de Falla se definem em Paris, onde permanecerá de 1907 a 1914. Entusiasmado com seu talento, Paul Dukas dá-lhe aulas de instrumentação e o introduz no cenário vanguardista parisiense. Falla fez assim amizade com os compatriotas Picasso e Albéniz e com seus ídolos Ravel e Debussy. Apesar do temperamento discreto, da sincera modéstia e de extrema discrição, o jovem compositor se impôs pela originalidade e excelência de sua música. Falla celebra a Espanha com uma profusão de motivos e ritmos fulgurantes – o fandango andaluz, a seguidilla, boleros, toadas murcianas, sevillanas, a farruca e a jota. Ao mesmo tempo, sua abordagem do folclore revela-se comprometida e atualizada com as renovações musicais do começo do século XX.

 

Após a Primeira Guerra, o diretor dos Balés Russos, Sergei Diaghilev, propôs ao compositor uma obra tipicamente espanhola, à altura de suas produções mais famosas – entre elas, A sagração da primavera, de Stravinsky, que Falla conhecia de seus anos parisienses. Surge assim a versão definitiva de El sombrero de tres picos [O chapéu de três pontas], balé baseado na farsa popular do escritor Pedro de Alarcón, cujo enredo narra as desventuras de um velho Corregedor, o homem do sombrero. Enamorado de Frasquita, bela e inocente moleira, esse juiz frequenta assiduamente o Moinho, lugar de encontro dos moradores da aldeia. O moleiro Lucas Fernandez mostra-se a princípio ciumento; mas depois se torna cúmplice da mulher, e o casal inventa peripécias burlescas para ridicularizar o corregedor. Na dança final, os solidários vizinhos agarram o velho galanteador e o jogam, como um boneco, para o alto.

 

A estreia do balé foi em Londres, em julho de 1919, com cenários e figurinos de Picasso, coreografia do russo Massine e direção musical de Ernest Ansermet. Toda a obra respira humor e vitalidade, com citações irônicas de melodias populares e de autores consagrados. A orquestração é, ao mesmo tempo, suntuosa e refinada e, em dois momentos estratégicos, utiliza a voz de contralto com singular propriedade.

 

Para apresentações em concerto, Falla condensou o balé em duas suítes orquestrais, cada uma com três danças que seguem as peripécias do enredo. A Suíte nº 2 começa com a Dança dos vizinhos (Allegro non troppo), quando os aldeões se reúnem no moinho para festejar o dia de São João. Seu ritmo é o da seguidilla, evocando a vitalidade de uma festa andaluza. A seguinte Dança do moleiro (Poco vivo) exibe a farruca característica do estilo flamenco. Toda a aldeia participa da Dança final (Poco mosso), triunfante jota de virtuosidade contagiante. A orquestra torna-se ainda mais colorida, concluindo com brilho essa partitura espanhola de irresistível apelo universal.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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