João Guilherme Ripper
Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.
Estou convencido de que capacidade de concentração e resistência são qualidades tão fundamentais para o músico quanto o próprio talento, porque compor uma ópera ou sinfonia, ensaiar, reger ou tocar por horas seguidas requerem longo treinamento musical e um esforço físico considerável. O músico tem definitivamente seu lado de atleta. Quantas horas, dias, meses de trabalho e disciplina precedem momentos decisivos, tanto no palco quanto na pista!
A etimologia de concerto é reveladora, pois a palavra vem do latim concertare, que significa combater, disputar. O concerto para piano e orquestra que ouviremos esta noite, por exemplo, pode ser visto como um confronto musical de diferentes sonoridades; o solista que executa uma partitura virtuosística frente à orquestra, uma equipe preparada pelo maestro para realização artística de determinada obra. São diversos e interessantes os pontos comuns entre música e esporte, inclusive o papel determinante do talento e do imprevisto no resultado. A música tem seus riscos e recompensas! Ainda assim, sinto que a música de concerto não explora seu lado lúdico e o espírito de aventura que sobram no jazz (palavra que deriva do inglês arcaico jasm: espírito, vigor). Basta ver a alegria estampada no rosto do instrumentista que improvisa e se deleita com as frases musicais que ele mesmo cria.
Quando recebi do maestro Fabio Mechetti a honrosa tarefa de escrever uma composição sinfônica para a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais em comemoração à abertura da novíssima Sala Minas Gerais, decidi criar uma espécie de concerto para orquestra em que os naipes tivessem o papel de destaque usualmente reservado ao solista. O título Jogos Sinfônicos inspira-se, naturalmente, nos Jogos Olímpicos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016. Mas indica também que aspectos esportivos nortearam a minha composição.
Em Distâncias, o primeiro movimento, pensei na persistência e resistência dos maratonistas e de todos aqueles que praticam modalidades esportivas de longa duração. Inicia com toda a orquestra apresentando o motivo da abertura, que reaparecerá no último movimento. Um trecho com violoncelo solo leva ao tema principal tocado pelas cordas. A conclusão tem a participação de toda a orquestra e presença marcante da percussão. Segue-se a seção mais lírica, onde o clarinete executa uma melodia de caráter expressivo que depois é retomada pelos violinos em pianíssimo. A seção final começa com o motivo da abertura desenvolvido nas cordas e o retorno dos temas ouvidos na primeira parte, reapresentados agora de forma resumida. O movimento conclui com um novo tutti orquestral de forte caráter percussivo.
O segundo movimento, Velas, tem como imagem poética criadora os esportes aquáticos praticados em estreito contato com a natureza. Quando pensei neste movimento imaginei-o lento, expressivo, dando à orquestra a oportunidade de conduzir amplas linhas melódicas. Decidi escrevê-lo inteiramente baseado em um único tema construído sobre a escala cromática a fim de possibilitar diferentes harmonizações e proporcionar a necessária diversidade entre as variações. Velas começa com um coral instrumental executado alternadamente pelas cordas e madeiras, com o tema principal ouvido em longas notas na linha melódica superior. Segue-se a Passacaglia, técnica oriunda da música polifônica, em que este mesmo tema aparece repetidamente no baixo e em notas mais curtas, enquanto novas melodias vão surgindo nos outros instrumentos a cada variação. A seção central é dedicada a variações sobre o coral que abriu o movimento. Velas termina trazendo de volta a Passacaglia seguida de um trecho conclusivo.
O último movimento intitula-se Drible, o que diz muito sobre seu caráter. A ginga e o jogo de corpo são traduzidos aqui pelos acentos deslocados, deslocamentos rítmicos e compassos alternados. Ao escrever Drible, quis retratar a jogada inesperada, o domínio técnico que autoriza o improviso e a diferença que faz o talento. O movimento começa com o motivo da abertura já ouvido em Distâncias, seguido do tema principal de caráter jazzístico. A seção central flerta com a mágica do improviso e o diálogo entre os naipes da orquestra: primeiro, um dueto de clarinete e fagote respondido por todas as madeiras; depois, os metais e, finalmente, as cordas com intervenções da harpa. Uma transição leva ao retorno do tema principal sublinhado pela percussão, culminando desta vez num trecho em fortíssimo com a participação de toda a orquestra, seguido da conclusão de Drible em clima de celebração.
Afinal, o objetivo do drible é o gol, e há muito o que comemorar nesta nova e belíssima sala de concertos.
João Guilherme Ripper
Compositor, professor da Escola de Música da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Música.