Estância: Quatro Danças, op. 8a

Alberto GINASTERA

(1941/1943)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, piano, cordas.

 

1941 foi, sem dúvidas, um ano marcante para Alberto Ginastera. Naquele ano, casou-se com Mercedes Toro, com quem teve dois filhos, assumiu o cargo de professor de Composição do Conservatório Nacional e de professor titular do Liceo Militar General Saint Martín e compôs Estância, sua música mais conhecida. Como reação ao sucesso de seu primeiro balé, Panambí, composto entre 1934 e 1937 e estreado em 1940, o coreógrafo Lincoln Kirstein, um dos fundadores e diretores da American Ballet Caravan, encomendou a Ginastera um balé que retratasse a vida nas estâncias argentinas, isto é, nas fazendas de gado dos pampas, tradicional reduto do gaúcho.

 

Ginastera, que sempre nutriu uma admiração especial pelo campo, resolveu inspirar seu balé no poema de José Hernández, El Gaucho Martín Fierro, publicado em 1872. A obra de Hernández é ainda hoje considerada por muitos como o livro nacional dos argentinos e figura como um dos mais icônicos exemplares da literatura gauchesca. Para além da exaltação da figura do gaúcho como sofrido, corajoso e honrado, a obra é um libelo contra a política de Estado da época, que incentivava gaúchos na luta assassina contra indígenas. Do poema de Hernández, Ginastera tomou de empréstimo principalmente a estrutura temporal, de modo que o balé descreve o ciclo de um dia inteiro passado numa estância, numa estrutura amanhecer-dia-tarde-noite-amanhecer. Ademais, versos do poema são cantados e recitados no balé. Seu enredo, no entanto, difere do poema ao narrar a história de um jovem da cidade que se mudara para uma estância e ali se apaixonara por uma jovem do campo, que o desprezaria até o momento em que o jovem fosse capaz de provar ser um verdadeiro gaúcho.

 

Apesar da encomenda, Kirstein viu sua companhia de dança desmembrar-se antes mesmo que tivesse a oportunidade de montar o balé de Ginastera, que optou então por reunir numa suíte para orquestra quatro das mais expressivas seções da obra original. A mais executada dentre as obras sinfônicas argentinas e uma das mais emblemáticas obras do nacionalismo objetivo de Ginastera, a suíte Estância conta com três movimentos extraídos da segunda cena do balé, La mañana, e com um movimento final isolado de El amanecer, quinta e última cena do balé. De estilo stravinskiano, Los trabajadores agrícolas sugere através de uma dança vigorosa e impetuosa o esforço dos trabalhadores na colheita do trigo. Danza del trigo é um interlúdio lírico que evoca o cenário bucólico de uma estância pela manhã. Los peones de hacienda é um curto scherzo inspirado na figura do vaqueiro. E a Danza final retrata o começo de um novo dia através da estilização do tradicional malambo, dança masculina argentina na qual o dançarino executa uma série de movimentos com os pés e que, no século XIX, era tida como a principal forma de um gaúcho demonstrar destreza e vigor.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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