|    15 jan 2024

A arte de compor

Em celebração ao Dia do Compositor, convidamos André Mehmari para falar sobre um dos ofícios mais importantes para a música! 

Leia abaixo o depoimento de Mehmari: 

 

Criando música regularmente desde os treze anos de idade e compondo sob encomenda há pelo menos vinte anos ininterruptamente, posso dizer da minha vivência que o ofício da composição é sempre desafiador e surpreendente. Há vários estágios discretos no processo criativo desde a fagulha inicial, motivo, desenvolvimento, orquestração, ajustes finais até a entrega do material escrito a quem irá interpretar. No meu caso, eu sempre inicio a criação com uma pesquisa de ideias soltas e sons por meio de uma longa improvisação ao piano, meu instrumento fiel de trabalho, lugar sagrado de reflexão e pesquisa musical. Vivendo numa época onde temos tão vasta paleta de cores e variedade de linguagens disponíveis, é preciso eleger o repertório de ideias centrais da obra por nascer, delimitando melhor a estética que procuro a um conjunto de códigos que conversam organicamente entre si, buscando um corpo arquitetônico coeso e vivo. 

 

Temos a técnica e a fluência desenvolvida com o passar dos anos de estudos e experiências, mas a página em branco no início de um novo processo sempre nos coloca numa posição de inquietude. Tenho sempre a curiosa impressão de “não saber compor” neste estágio inicial e isso é muito importante e bonito! Com humildade e paciência, um pouco como um arqueólogo trabalhando sobre um precioso objeto oculto, vamos desbastando com cuidado e removendo escrupulosamente tudo aquilo “que não é o que o ouvido interno procura e quer” e com o instinto adquirido e os instrumentos disponíveis vamos trazendo à tona o corpo e a alma da composição que queremos exprimir e compartilhar com o mundo. 

 

Acho que a minha assinatura pessoal como compositor vem justamente dos sucessivos anos de escolhas e procuras (na música e não somente), além das tantas experiências (musicais ou não), memórias afetivas e conhecimentos adquiridos nos mais diversos ambientes musicais que frequento desde a infância. De tanto fazer essas escolhas, acabamos por gerar um traço distinto, uma voz  própria que nutre nosso instinto criativo: nosso faro, nossa bússola de navegação interna. 

 

Cada composição tem suas peculiaridades e particularidades: uma obra orquestral traz demandas diferentes de peças vocais ou obras de câmara ou solos… Como músico que compõe e toca, faço questão de conhecer bem para quem estou escrevendo, procurando conexões entre o texto e as características pessoais de cada intérprete. Minha intenção ideal é sempre a de que quem toque minha música se sinta de posse desta obra, como se fosse o próprio compositor que, por meio do instrumento, é capaz de transformar ideias em rica matéria audível, matéria com a qual sonho e espero emocionar o ouvinte que recebe essa inédita mensagem abstrata musical.

André Mehmari.