|    13 jun 2017

O Barroco brasileiro

A produção artística do período colonial no Brasil abrange, da música à arquitetura, os estilos Barroco, Rococó e, mais tarde, o Clássico. No dia 17 de junho, nossa Orquestra e convidados interpretam quatro joias deste tempo, a Abertura de "Il Duca di Foix" de Marcos Portugal, o "Magnificat"de Manoel Dias de Oliveira, o "Te Deum" de Lobo de Mesquita e o "Requiem" de José Maurício Nunes Garcia.

por Edilson Vicente de Lima *

 

O que se entende hoje por Barroco brasileiro e que compreende a música e as artes visuais, incluindo o patrimônio arquitetônico, manifesta-se em uma produção artística que abrange os estilos Barroco, Rococó ou estilo galante (como é mais conhecido na música) e, mais tarde, o estilo Clássico. Essas manifestações estilísticas foram utilizadas não somente em consonância com uma suposta cronologia linear evoluindo do Barroco ao Rococó e, posteriormente, ao Clássico, pelo menos na música; dependeram também do embate entre os valores defendidos pela ascendente burguesia pós-pombalina luso-brasileira e a Igreja Católica. A música composta no Brasil entre a segunda metade do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX reflete essa tendência.

 

Um dos principais centros de instrução musical em Portugal foi o Seminário da Patriarcal, fundado em princípio do século XVIII com o intuito de modernizar o estilo praticado em Portugal e aproximá-lo da música italiana: em um primeiro momento, mais próximo à Capela Papal e, posteriormente, à música napolitana. Uma das principais características dessa música é a “mistura de estilos”, o “estilo livre” ou galante, quando em uma mesma composição podiam ocorrer mudanças rápidas de andamento, rítmicas e temáticas, além do uso de gêneros (tópicas) e estilos diversos – como a combinação do dramático e do cômico num mesmo movimento ou ária –, os quais buscavam melhor caracterizar as inconstâncias dos afetos (humores) humanos.

 

Ao lado disso, a continuidade do estilo eclesiástico estava associada ao coro em contraponto silábico (estilo declamatório), à unidade temático-estilística entre os movimentos, ao estilo fugato; em suma, persistia uma unidade emocional, afetiva, ligada à funcionalidade da música religiosa, isto é, o estilo antigo. Assim, a dramaticidade da música religiosa estava associada ao conflito entre as partes e o todo da obra, onde cada segmento representaria um momento associado a um afeto (o Kyrie, o arrependimento; o Glória, louvor, júbilo etc.) e em que a liturgia, no caso da missa, viria a compor um discurso dramático com começo, meio e fim. Desse modo, a miscelânea, ou mistura de estilos – preconizada pela escola napolitana em um mesmo segmento –, poderia descaracterizar o intuito dramático-afetivo comunicacional da mensagem religiosa.

 

Nesse contexto, as obras apresentadas neste programa, sendo duas delas de compositores mineiros – Il Duca di Foix de Marcos Portugal, o Magnificat de Manoel Dias de Oliveira, o Te Deum de Lobo de Mesquita e o Requiem de José Maurício Nunes Garcia – refletem um modelo identificado com a mistura de estilos, diretamente ligado à escola napolitana (mesmo o Requiem de José Maurício que, embora mostre influência direta do Classicismo vienense, por sua vez é um reflexo dessa tendência após meados do século XVIII). Esse modelo também buscava a comoção através da combinação dos afetos, pelo jogo de contrastes: ora explorando contraposições entre soli e tutti, ora em estilo declamatório do coro contraposto aos contrapontos brilhantes das cordas; ora explora texturas mais sombrias, seguidas por melodias cantabile e temas brilhantes, ora utiliza gêneros como a marcha, a pastoral ou o fugato. Nesse sentido, mesmo a Abertura Il Duca di Foix de Marcos Portugal, em estilo cômico e, portanto, uma obra não religiosa, insere-se em um mesmo projeto estilístico, explorando texturas e temas que evocam o jogo dos contrários, porém sempre articulando o caráter da obra, o sentido do texto, o estilo ou gênero, com a expressão musical.


* Doutor em Musicologia pela USP, Mestre em Artes pela Unesp, professor na Universidade Federal de Ouro Preto.

 

Para ampliar o conhecimento:

 

Marcos Portugal
Il Duca di Foix | Algarve Orchestra – Álvaro Cassuto, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=apzralUBE9E

www.marcosportugal.com

 

Dias de Oliveira
CD Manoel Dias de Oliveira – Sacred Music From 18th Century Brasil | Ensemble Turicum – Luiz Alves da Silva, regente (Claves Records – 1997  – 2 volumes)

 

Lobo de Mesquita
Te Deum | Orquestra de Câmara do Brasil & Ars Barroca – José Siqueira, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=HxXGPYNjyLE

 

Nunes Garcia
CD Padre José Maurício Nunes Garcia – Te Deum & Requiem | Coro e Orquestra Sinfônica da UFRJ – Ernani Aguiar, regente – Veruschka Mainhardt, Carolina Faria, Geilson Santos, Maurício Luz, solistas (Biscoito Fino – 2008 – Série A música na corte de Dom João VI)

Requiem – Coro e Orquestra Sinfônica da UFRJ – Ernani Aguiar, regente – Veruschka Mainhardt, Carolina Faria, Geilson Santos, Mauricio Luz, solistas
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=fbjGmWmEoxY

Diósnio Machado Neto – A commedia na música religiosa: kyries como ouvertures em três missas de José Maurício Nunes Garcia (Revista Brasileira de Música – v. 29 – n. 1 – p. 149-164 – jan./jun. 2016)

Cleofe Person de Mattos – José Maurício Nunes Garcia: biografia (Fundação Biblioteca Nacional – 1997)

 

Outras referências
J. Peter Burkholder; Donald Jay Grout; Claude V. Palisca – A history of western music (W.W. Norton & Company – 2006)

Rui Vieira Nery; Paulo Ferreira de Castro – História da música portuguesa (Imprensa Nacional Casa da Moeda, Portugal – 1991 – Série Síntese da Cultura Portuguesa)

Museu da Música de Mariana | http://www.mmmariana.com.br/

www.caravelas.com.pt

 

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