Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
| 17 jul 2018
O amor e a vida em família – com fortes tintas autobiográficas – são os assuntos que ligam "Árias e Barcarolas" e "Trouble in Tahiti", as duas obras que nossa Orquestra e um grande time de cantores trazem neste sábado Fora de Série.
por Guilherme Nascimento
Leonard Bernstein, de quem a Filarmônica de Minas Gerais comemora o centenário, foi o maestro e compositor de maior sucesso na história dos Estados Unidos. Foi também excelente pianista, educador e embaixador cultural, além de comunicador extremamente carismático. Suas composições abarcam praticamente todos os gêneros musicais: de música solo e de câmara até ópera, balé e musicais da Broadway.
As duas obras do programa do dia 21 de julho de 2018 compartilham o mesmo argumento: o amor e a vida em família. Árias e Barcarolas é um ciclo de oito canções que falam de amor, casamento, do nascimento do primeiro filho e dos problemas que um casal enfrenta ao longo da vida. Em Trouble in Tahiti, ópera de um ato com sete cenas, um casal tenta recuperar o amor e a intimidade para conseguir salvar um casamento que se tornou por demais tedioso.
Última obra completa de Bernstein, Árias e Barcarolas foi composta inicialmente para quatro cantores e piano a quatro mãos, e logo depois revisada para mezzo-soprano, barítono e piano a quatro mãos. Bernstein desejou orquestrá-la, mas a agenda cheia e a saúde debilitada o impediram de fazê-lo. Não obstante, pôde supervisionar a orquestração levada a cabo por seu assistente, Bright Sheng, para mezzo-soprano, barítono, cordas e percussão. Essa versão teve sua estreia no dia 22 de setembro de 1989, em Nova York, na Long Island University, com Susan Graham, Kurt Ollmann e a New York Chamber Symphony sob regência de Gerard Schwartz.
Segundo Bernstein, o título sugestivo veio de um comentário pitoresco do presidente Dwight D. Einsenhower após um concerto na Casa Branca, em 5 de abril de 1960, onde a Orquestra Filarmônica de Nova York executou um concerto de Mozart e a Rhapsody in blue de Gershwin:
“O presidente [me] disse: ‘Você sabe, eu gostei da última peça que você tocou – ela tem um tema. Você entende o que quero dizer?’. Nós não sabíamos o que ele queria dizer, e até minha esposa, que era muito boa em momentos socialmente desconfortáveis, não sabia o que dizer. Obviamente ele estava entediado com o Mozart. Finalmente eu disse: ‘Acho que sei o que quer dizer, senhor presidente, tem uma batida’. ‘Não’, ele disse, ‘quero dizer um tema. Eu gosto de música com tema, não dessas árias e barcarolas’. Pobre Mozart! Eu imediatamente anotei aquilo, como um título para usar um dia.”
Todas as canções do ciclo são escritas sobre textos de Bernstein, exceto a terceira, sobre texto de sua mãe, Jennie Bernstein, e a sexta, sobre Yankev-Yitskhok Segal. A primeira (Prelude), a segunda (Love duet) e a quarta (The love of my life) são canções sobre o amor que o casal sente um pelo outro, e sobre as dificuldades que esse amor traz. A terceira (Little Smary) fala de uma garotinha que perdeu seu coelhinho de pelúcia. A quinta (Greeting) é sobre a alegria do nascimento do primeiro filho. A sexta (At my wedding), sobre um judeu que descobre o quanto é maravilhosa a música que um violinista toca em seu casamento. Na sétima (Mr. and Mrs. Webb say goodnight), o casal tenta acalmar seus dois filhos na hora de dormir para que possam ficar a sós e discutir assuntos de família. O epílogo (Nachspiel) não possui palavras, é apenas um vocalise suave.
Trouble in Tahiti é uma crítica profunda à sociedade norte-americana. A ópera conta a história de um dia na vida do casal Sam e Dinah, que vive em um subúrbio de classe média alta. Embora, aparentemente, tivessem todas as condições da vida moderna para ser as criaturas mais felizes da Terra, eles são, na verdade, duas pessoas extremamente amarguradas. Incapazes de se comunicarem um com o outro, desejam ardentemente derrubar as paredes que os separam e recuperar o amor que perderam, mas, no final, acabam optando pela manutenção da fantasia.
Trouble in Tahiti foi estreada no dia 12 de junho de 1952 na Brandeis University, em Waltham, Massachusetts, sob a regência do próprio compositor. Trata-se da única obra teatral de Bernstein para a qual ele tenha escrito música e texto.
* Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.
[Na imagem que ilustra esta página, Leonard Bernstein – ao centro – conduz um dos ensaios que antecederam a estreia da ópera Trouble in Tahiti, durante a primeira edição do Brandeis Creative Arts Festival em 1952.]
REFERÊNCIAS
Para ouvir
CD Bernstein – Arias and Barcarolles e outras | London Symphony Orchestra – Michael Tilson Thomas, regente (Deutsche Grammophon – 2015)
CD Bernstein – Trouble in Tahiti; Facsimile | New York Philharmonic Orchestra – Leonard Bernstein, regente (Sony Classical – 1999)
Para assistir
Trouble in Tahiti | Psappha Ensemble – Nicholas Kok, regente – Catherine Hopper, Dinah – Dean Robinson, Sam – Jane Harrington, soprano – Ashley Catling, tenor – Quentin Hayes, barítono
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=L1HoB7XbEOY
Leonard Bernstein – Young People’s Concerts
Acesse: https://www.youtube.com/user/ArtfulLearning/videos
Para ler
Humphrey Burton – Leonard Bernstein (Faber & Faber – 2017)
Leonard Bernstein, com tradução de Manuel Jorge Veloso – O mundo da música – Os seus segredos e a sua beleza (Edição Livros do Brasil Lisboa – 1954)
Para visitar
Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
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