|    2 mar 2017

De Lully a Rameau, le Baroque français

O Barroco é Fora de Série. Ao longo de 2017, nossa Orquestra dedica nove sábados à música deste período e seu impacto nas gerações futuras. No primeiro capítulo, no dia 4 de março, mostramos a França de Jean-Philippe Rameau, François Couperin, Jean-Baptiste Lully e Marc-Antoine Charpentier.

por Paulo Sérgio Malheiros dos Santos *

 

Inicialmente marcado pela supremacia musical italiana, o Barroco tornou-se um estilo internacional marcado por variados acentos nacionais. Na França, as ideias estéticas barrocas foram radicalmente remodeladas pela atitude oficial de racionalismo e classicismo adotada no longo reinado de Luís XIV – período decisivo que deu à música do país uma personalidade inconfundível. Os franceses têm a paixão da dança, assim como os italianos têm a da virtuosidade vocal. Os Balés da Corte realizavam-se com cenários maravilhosos, maquinário complexo e a participação destacada do rei diante de toda a nobreza. A música incluía uma abertura orquestral, recitativos, árias, coros, intermédios e as entrées dos personagens.

 

A versão francesa da ópera italiana surgiu rotulada de ópera-balé, com coreografias inseridas na ação. Os malabarismos característicos da virtuosidade vocal italiana foram substituídos por uma linha melódica transfigurada, simples, clara, refinada.

 

Curiosamente, a forma operística francesa consolidou-se por obra de um florentino, Giovanni Battista Lulli (Itália, 1632 – França, 1687). Chegando à França aos treze anos, começou uma carreira artística vertiginosa como bailarino até se tornar compositor da corte e amigo do rei. Em substituição às Aberturas Italianas criou a Ouverture Française, composta de introdução majestosa, um movimento rápido e desfecho lento, forma que teria importância na evolução da Sinfonia. Usou libretos de eminentes poetas, entre outros, Molière. Acrescentou ao célebre grupo de cordas real, os 24 Violinos do Rei, um pequeno grupo de sopros, formando uma verdadeira orquestra. Jean-Baptiste Lully, seu nome francês, era hábil negociante e obteve de Luís XIV o direito de explorar, sozinho, a ópera francesa – inviabilizando durante quinze anos o acesso de outros compositores a essa produção.

 

Visto por Lully como um rival em potencial, Marc-Antoine Charpentier (França, 1634 – 1704) – que estudara em Roma e era adepto do estilo italiano – dedicou-se especialmente à música religiosa, deixando numerosas Missas, Motetos e Cantatas. Compôs também música para peças de teatro, submetendo-se, então, às regras limitadoras impostas por Lully. Trabalhou com Molière em sua última peça, Le malade imaginaire. Após a morte do todo-poderoso rival, Charpentier escreveu sua única ópera, Médée.

 

Por sua vez, François Couperin (França, 1668 – 1733) desenvolveu influente estilo de música de câmara e deixou admirável produção para cravo – 27 suítes agrupadas em quatro livros: quadros da natureza, de caracteres, de sentimentos, cenas descritivas, às vezes humorísticas –, expressão tipicamente francesa, originalíssima, elegante na forma, clara, concisa, repleta de poesia. Couperin inspirou e influenciou J. S. Bach, que tinha por ele grande admiração.

 

Sucessor de Couperin e importante teórico, Jean-Philippe Rameau (França, 1683 – 1764) também deu títulos poéticos para suas notáveis peças de cravo. Seu Tratado de Harmonia foi publicado no mesmo ano que O Cravo bem Temperado de J. S. Bach. As muitas óperas de Rameau deram sequência aos esforços de Lully em defesa do estilo francês. Nelas, a dança toma uma importância ainda maior, integrando-se decididamente à trama dramática. Espírito lógico e de precisão científica, Rameau foi o catalisador do Classicismo francês.

 

No começo do século XX, vários músicos – às vezes de concepções opostas – uniram-se na revalorização do passado musical francês. Em 1919, Maurice Ravel (França, 1875 – 1937) apresentou Le Tombeau de Couperin, suíte de peças para piano, na linhagem dos tombeaux (homenagens póstumas) do século XVIII. O título e as dedicatórias prestavam dupla homenagem — a seis de seus amigos mortos na Primeira Guerra Mundial e à preciosa tradição musical francesa.

 

* Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

 

Para ampliar o conhecimento:

 

RAMEAU | Zaïs: Abertura
CD Zaïs – Les Talens Lyriques | Christophe Rousset, regente – Julian Prégardien, Sandrine Piau, Aimery Lefèvre, Benoît Arnould, Amel Brahim-Djelloul, solistas (Erato/Warner, França – 2015; 3 CDs)

YouTube: Orquestra Barroca Orfeu | Michi Gaigg, regente

 

RAMEAU | Les Boréades: Suíte
CD Jean-Philippe Rameau – Les Boréades | Jennifer Smith, Anne-Marie Rodde, Edwige Bourdy, Martine March, solistas – John Eliot Gardiner, regente – Erato (Warner Music, França – 2002; ópera completa, 3 CDs)

CD Jean-Phillippe Rameau – L’Orchestre de Louis XV – Les Boréades, Suíte e outras | Le Concert des Nations – Jordi Savall, regente (Alia Vox – 2011; 2 CDs)

CD Rameau – Les Boréades; Dardanus, Suítes | Orchestra of the 18th Century – Frans Brüggen, regente (Philips – 1990)

YouTube: Le Concert des Nations | Jordi Savall, regente

DVD Rameau – Les Boréades, Ballet Suite; Hector Berlioz – Symphonie fantastique, op. 14 | Berliner Philharmoniker – Simon Rattle, regente (Medici Arts TV MAN Union, Áustria – 1993)

 

LULLY  | Suíte de Balé SUÍTE DE BALÉ

YouTube: Orquestra da Associação Scarlatti | Franco Caracciolo, regente

Vincent Borel – Jean-Baptiste Lully – Classica – Actes Sud, França – 2008

Andrée Corbiau, Gérard Corbiau, Ève de Castro – Le Roi Danse – Folio – Gallimard, França – 2000 (Diálogos do filme)

FILME O Rei Dança – Gérard Corbiau, direção (França /Alemanha/Bélgica – 2000)

 

CHARPENTIER | Noëls pour les instruments

CD Marc-Antoine Charpentier – Noëls and Christmas Motets | Aradia Ensamble – Kevin Mallon, regente (Naxos, Alemanha – 1999)

YouTube: Les Violons du Roi |Bernard Labadie, regente

 

COUPERIN/Milhaud | A Sultana: Abertura e Allegro

CD Mitropoulos – Mendelssohn, Symphony No. 3; Couperin, Overture and Allegro from La Sultana (Arranjo de Darius Milhaud) | Kölner Rundfunk-Sinfonie Orchester – Dmitri Mitropoulos, regente – Medici Masters – WDR The Cologne Broadcast/Medici Arts – 2007

 

RAVEL | Le Tombeau de Couperin

CD Ravel – The Orchestral Works, Pierre Boulez | New York Philharmonic; Camerata Singers; Cleveland Orchestra – Pierre Boulez, regente (Sony – 1991; 3 CDs)

YouTube: Filarmônica de Berlim | Pierre Boulez, regente

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