|    11 jun 2020

Maestro indica: “A Sagração da Primavera” de Stravinsky

Stravinsky, Bernstein e a Primavera

Igor STRAVINSKY | A Sagração da Primavera

Stravinsky, Bernstein e a Primavera

por Fabio Mechetti

Coincidência ou não, o fato é que as obras mais importantes ou mais influenciadoras do século XX foram balés. Do Prelúdio para “A tarde um fauno” de Debussy (ainda no século XIX), passando pelos três balés essenciais de Stravinsky (O pássaro de fogo, Petrushka e A Sagração da Primavera), o Mandarim Maravilhoso de Bartók até o Romeu e Julieta de Prokofiev, foi através da música escrita para a dança que definimos a evolução da música no século XX.

Entretanto, contrariamente à revolução de Debussy, que deu asas à evolução da música ocidental adentrando o século de maneira delicada e quase imperceptível com seu Fauno, Stravinsky, duas décadas depois, abala, de maneira rude e violenta, as fundações de sustentação da música ocidental até então com sua Sagração da Primavera. Da mesma maneira que Debussy inicia seu Fauno com um só instrumento propondo uma singela e delicada melodia, Stravinsky também propõe sua revolução com uma linha expressiva num só instrumento. Mas, em contraponto à obra de Debussy, que envolve o ouvinte numa experiência sensorial relaxante e atemporal, a de Stravinsky anuncia apenas o prelúdio de uma experiência que muitas vezes beirará a brutalidade.

O mundo da Sagração é um mundo pagão, preso à força da terra, de seus elementos primitivos, primordiais, da luta contra o medo do desconhecido marcada pelo sacrifício, da condição humana próxima do animalesco. Esta música, portanto, se utiliza de recursos que vão desde as formas mais remotas da expressão musical humana (como escalas de três a cinco sons), a ignição da pulsação rítmica que dá força à vida, levando-nos à completa ruptura de todos os padrões contemporâneos estabelecidos até então.

Com uma paleta de cores gigantesca, harmonias que transitam desde recursos modais da antiguidade até a simultaneidade de várias tonalidades executadas ao mesmo tempo (politonalismo), a irregularidade da pulsação rítmica a todo momento, a Sagração, mesmo nos dias de hoje, ainda choca o ouvinte de maneira contundente, mesmo depois de Walt Disney ter se utilizado dela em seu Fantasia.

O vídeo escolhido para manifestar toda a mágica e fúria desta obra-prima do século XX foi uma gravação ao vivo de várias décadas atrás, mas ainda com toda a sua energia, de um concerto com a Orquestra Sinfônica de Londres sob a regência de Leonard Bernstein. Interpretar não é “criar” sobre aquilo que o compositor propôs, e sim “recriar”, com toda a imaginação despertada exatamente pela mensagem desse compositor, a experiência concebida por ele. Aqui, vivenciamos tanto os momentos de reflexão e um certo vazio cósmico, assim como a implacável energia visceral contida nas páginas desta grande obra.

A imagem que ilustra este post é uma fotografia de Yousuf Karsh, 1956.

Posts relacionados