| 30 nov 2020
Daphnis e Chloé de Ravel, o balé e a música
Dentre as várias recomendações feitas por mim durante esta fase pandêmica, salientei o fato de que algumas das maiores obras-primas do século XX são grandes balés escritos primordialmente nas primeiras duas décadas na França. Falamos já de A Sagração da Primavera de Stravinsky e de Romeu e Julieta de Prokofiev.
Outra joia inquestionável é Daphnis et Chloé de Maurice Ravel, escrito entre os anos 1909 e 1912, também sob encomenda de Sergei Diaghilev, o mesmo que impulsionou os balés de Stravinsky e outros compositores do início do século.
Aqui vemos (ou escutamos) o melhor de Ravel.
Primeiramente, seu considerável domínio da paleta orquestral, aqui composta de uma orquestra de grandes dimensões, explorada de uma maneira absolutamente singular pelo compositor. Dessa grande orquestra surgirão os sons mais delicados e os mais explosivos, as texturas mais refinadas e densas, as combinações mais originais do efetivo instrumental aliadas à presença de um coro que se mistura à textura orquestral sem emitir uma só palavra: todas as intervenções vocais ao longo da peça são apenas mais uma cor, com vogais abertas ou fechadas, na imensa aquarela de sons proposta por Ravel.
Em segundo lugar, a riqueza harmônica que se expande durante o Impressionismo é consolidada aqui, através da utilização das escalas típicas dos modos maiores e menores tonais, assim como a escala de semitons (cromática) e, aceitando o convite musical feito por Debussy, escalas hexafônicas (ou de tons inteiros). Essa riqueza de possibilidades faz com que Daphnis adquira uma atmosfera irreal própria que nos remete a um tempo vago e indefinido, totalmente compatível com aquilo que imaginamos sobre a mitologia grega à qual o tema se refere.
É também neste balé que Ravel nos proporciona algumas de suas mais belas melodias, nos oferecendo uma de suas partituras mais apaixonadas, tanto no contexto da própria estória, quanto na carga emocional que a música carrega.
Do balé completo, Ravel extraiu duas suítes, e existem vários exemplos delas a serem visitados. Mas me pareceu mais interessante indicar uma versão do balé completo, em que toda a riqueza expressiva desta peça pode ser vivida. Dentre as opções disponíveis selecionei esta da Ópera Nacional de Paris sob a direção de Philippe Jordan. A característica mais abstrata da coreografia reflete, creio eu, a maior fluidez e mistério que a música de Ravel propõe, e nos convida a pensar uma estória que se revela em nossa imaginação.
Espero que gostem.