|    16 jul 2020

Maestro indica: Serenata para sopros, “Gran Partita”, de Mozart

A música se rende a Mozart

Wolfgang Amadeus MOZART | Serenata para sopros, K. 361, “Gran Partita”

A música se rende a Mozart

por Fabio Mechetti

É sempre um desafio selecionar uma ou outra obra-prima de grandes gênios da música universal. Mas, no caso de Mozart, isso se torna quase impossível. Com mais de seiscentas obras escritas em seus 35 anos de vida, e por volta de 30 de atividade criativa, Mozart se distingue pela combinação absoluta da perfeição formal (própria de seu período), riqueza melódica, prosódia musical, simplicidade de linguagem e um sentido de expressão da essência da humanidade próprio de figuras ímpares ao longo da história. Einstein (outro gênio da história da humanidade) disse uma vez: “A música de Mozart é tão pura que parece ter estado sempre presente no universo, pronta para ser descoberta por ele.”

Essa inevitabilidade da música, enquanto símbolo da perfeição, é encontrada em obras dos mais diferentes gêneros explorados por Mozart, e um desses exemplos é a Serenata para sopros em Si bemol maior, escrita entre 1781 e 1782. Como quase todas as suas serenatas, esta foi escrita sob encomenda para apresentações informais na corte. Serenatas eram, em geral, obras de consumo imediato, descartáveis, com propósito muitas vezes específico para esta ou aquela ocasião. Mesmo tendo nada mais nada menos do que sete movimentos, apenas quatro, aparentemente, foram executados em sua estreia. Outra característica importante, embora não exclusiva, é sua instrumentação: dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, contrafagote (!), dois cornos de basseto (precursor do clarinete baixo), quatro trompas e, no caso da não presença de um contrafagote, contrabaixo.

A genialidade de Mozart está justamente em ter a capacidade de criar com recursos limitados, seja o grupo instrumental para o qual ele escreve, o gênero da obra em si ou as regras da linguagem tonal convencional, uma gama de ideias originais, expressivas, eficazes e efetivas que tocam diretamente o ouvinte. Mozart não foi um compositor revolucionário. Ele simplesmente foi o melhor de todos ao aplicar as “regras do jogo”. E, certamente por isso, ao invés de ter sido reconhecido e reverenciado como o grande gênio que hoje sabemos que é, foi tratado com a inveja, manipulação e artimanhas próprias dos medíocres que se sentiam ameaçados por sua singular competência. (Exemplos como esses abundam na história em várias esferas).

Minha recomendação para desfrutar desta peça vem de uma apresentação de membros da Orquestra do Século XVIII, cuja missão é a exploração dos instrumentos originais da época. Notem as grandes diferenças não só no formato e cor dos instrumentos de sopro, mas principalmente nas trompas que, naquela época, ainda não dispunham dos recursos das válvulas, utilizadas mais tardiamente.

Mas, antes de escutá-la, convido-os a abrirem outro link que os levará a uma cena do filme Amadeus. Na minha opinião, este é um dos momentos mais marcantes não só do filme em si, como também da revelação, ainda que tardia, de Salieri (representando de uma certa maneira a mediocridade bem-sucedida) se entregando à excelência incontestável do gênio de Salzburgo.

Ao descrever o início do Adágio desta Serenata (terceiro movimento), Salieri (ou o roteirista do filme) conseguiu captar com poucas palavras a absoluta força expressiva da música de Mozart. Realmente um momento comovente.

Agora sim, desfrutemos da Serenata:

A imagem que ilustra este post é uma pintura de Burchard Dubeck, 1808.

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