O Messias de Haendel com a Academia de Música Antiga
| 6 set 2017
De Respighi a Stravinsky, passando por Britten, Holst e outros tantos, a música barroca atravessou os anos e influenciou gerações de compositores pelo mundo.
por Moacyr Laterza Filho*
Pode-se dizer que, desde seu ocaso, em meados do século XVIII, a música barroca foi redescoberta duas vezes. A primeira, ainda na primeira metade do século XIX, tem como data emblemática a famosa execução, em Berlim, por Mendelssohn, da Paixão Segundo São Mateus de Bach, no ano de 1829. De fato, Mendelssohn deu a conhecer a seus contemporâneos não apenas obras importantes do Kantor de Leipzig, mas também outros nomes do Barroco e de antes: Haendel, Orlando de Lassus, Palestrina. Até então, as obras de Bach e de outros compositores do passado eram utilizadas e praticadas apenas como exercícios para a formação do músico ou do instrumentista.
A segunda tem um perfil mais arqueológico e remete à metade do século XX. As redescobertas de determinados autores, como Vivaldi, de antigos tratados teóricos sobre música e de planos e projetos para a construção de instrumentos musicais trouxeram um sopro saudável de questionamentos sobre as práticas interpretativas das músicas do Barroco, da Renascença e da Idade Média, ampliando perspectivas, trazendo à tona possibilidades de compreensão e interpretação que eram, então, ao mesmo tempo muito antigas e muito modernas. O ressurgimento do cravo, primeiro reinventado por construtores de piano, como Pleyel ou Wittmeyer, e depois reconstruído a partir de planos ou instrumentos históricos, fez ressuscitar todo um universo de sonoridades já desconhecidas. Se daí despontaram certos purismos limitadores é tema para outra discussão.
Nas dimensões da sala de concerto e da criação musical, porém, tudo isso gerou resultados no mínimo interessantes. Algumas obras permaneceram frescas e inalteradas e continuam a ser executadas tais como são. É o caso, por exemplo, de algumas obras de Haendel (cujo Messias nunca esmoreceu, graças às solenidades e celebrações religiosas das instituições britânicas) ou de alguns trechos de outros compositores, como Gluck, já elaborados com uma concepção semelhante à realidade sinfônica moderna.
Por outro lado, houve mais de um flerte entre o universo sinfônico e a música barroca. Por exemplo, certas obras de Bach, principalmente as obras para órgão, desde Liszt provocaram interesse no artista criador, por sua complexidade ou por seu potencial infinito de releituras à luz do sinfonismo moderno: vêm daí as transcrições de Schoenberg, Respighi e Stokowski.
Outros processos de reelaboração sinfônica, no entanto, emergem da redescoberta de compositores antigos. Por um lado, há um Ravel que revisita Couperin, um Debussy que reinventa a suíte de danças. Por outro, há um Holst e um Respighi (veja-se, por exemplo, as suas três suítes de Antiche Danze ed Arie per Liuto – Árias e Danças Antigas para Alaúde) que coletam danças antigas e, transportando-as para a orquestra sinfônica, as reagrupam e lhes dão novas roupagens.
Por fim, a redescoberta dos compositores antigos oferece ao artista criador um novo material de trabalho. Stravinsky, por exemplo, encontra nos estranhos cromatismos da polifonia de Gesualdo um material surpreendentemente moderno e, assim, celebra-o, à sua maneira… Ou há o inglês Benjamin Britten, que vê no não menos inglês Henry Purcell matéria-prima para seu tema com variações, ao mesmo tempo moderno e arcaizante, fazendo sobrepor, com rara felicidade e transparência, presente e passado.
* Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.
Para escutar:
CD Bach/Stokowski | Leopold Stokowski, regente (EM Classics – 1997)
CD Igor Stravinsky – Orchestral Works | Stuttgarter Kammerorchester – Dennis Russell Davies, regente (ECM NEW – 2005)
CD Handel – Serse (Xerxes) | Les Arts Florissants Orchestra – William Christie, regente (Virgin Veritas – 2007)
CD Bach – Orchestral transcriptions by Respighi and Elgar | Seattle Symphony – Gerard Schwarz, regente (Naxos – 2012)
CD Gustav Holst: Composer as Arranger – Philharmonia Bulgarica – Jon Ceander Mitchell, regente (Centaur – 2007)
CD Britten – The Young Person’s Guide to the Orchestra; Variations on a Theme of Franck Bridge; Simple Symphony | English Chamber Orchestra; London Symphony Orchestra – Benjamin Britten, regente (Decca – 1986)
CD James Galway – Meditations | Sony Masterworks (1998 – 2 CDs)
Três Prelúdios Corais
Seattle Symphony Orchestra | Gerard Schwarz, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=jL5M9GVaCwE
A esposa virtuosa: Suíte
Philharmonia Bulgaria | Jon Ceander Mitchell, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=3URRTYzKdMM
Para ler:
Roland de Candé – História Universal da Música (Martins Fontes – 1994)
Para assistir:
Passacaglia e fuga em dó menor
Royal Philharmonic Orchestra | Andrew Litton, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=ChqQFyGmit4
Orfeu e Eurídice: Dança dos Espíritos Abençoados
Accompanietta Orchestra | Taichi Fukumura, regente | Susan Kang, flauta
Acesse: www.youtube.com/watch?v=V4cyDQKtBqs
Guia orquestral para jovens
Orquestra Sinfônica do Youtube | Michael Tilson Thomas, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=3HhTMJ2bek0
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Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
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