Embora Beethoven e mesmo Mozart já tivessem se dedicado ao gênero, o grande paradigma da canção na tradição musical germânica (o Lied, no termo original) foi indubitavelmente Franz Schubert. Nas suas canções, o piano tem uma função expressiva bem mais significativa do que a de mero acompanhamento, e estabelece uma relação dialógica seja com o texto poético, seja com o “texto” melódico. Richard Strauss, Hugo Wolf e Gustav Mahler, todos nascidos na mesma década de 1860, viram, nesse trabalho expressivo do piano, uma possibilidade até então insuspeita de deslocar, para o universo sinfônico, o gênero das canções. Não se trata em absoluto, porém, de uma adaptação do Lied “genuíno”, mas sim de uma espécie de movimento de “realocação”, que renova o gênero da canção e, ao mesmo tempo, amplia as possibilidades formais do repertório sinfônico. Ao longo de sua longeva carreira, Strauss compôs quase cento e cinquenta Lieder com acompanhamento de piano e cerca de quinze com orquestra. As Quatro Últimas Canções foram escritas em 1948, um ano antes de sua morte, sobre textos de Hermann Hesse e Joseph von Eichendorff. Elas foram estreadas postumamente, em 1950, no Royal Albert Hall, em Londres, cantadas pela soprano norueguesa Kirsten Flagstad, acompanhada da Orquestra Philharmonia, regida por Wilhelm Furtwängler. Não é certo que Strauss as tenha concebido como um pequeno ciclo – ele sequer determinou a sequência de sua execução: a primeira delas a ser composta (Im Abendrot) foi a última a ser executada na première –, mas todas as canções abordam metaforicamente, de uma forma ou de outra, o tema da morte, e são tradicionalmente executadas como um conjunto. É de se notar que, em Im Abendrot, Strauss cita a si próprio, retomando um motivo já exposto em Morte e Transfiguração, poema sinfônico composto cerca de sessenta anos antes. Mas as Quatro Últimas Canções de Strauss falam por si só: são a assinatura final que legou à História esse grande bávaro.