Sinfonia nº 8 em Fá maior, op. 93

Ludwig van BEETHOVEN

Beethoven começou a fazer os primeiros esboços da Sinfonia nº 8 em 1811, enquanto ainda compunha sua Sétima Sinfonia. Mas foi apenas no verão de 1812 que ele pôde realmente se dedicar à composição da nova obra. A Oitava ficou pronta em outubro, e a estreia só aconteceria dois anos mais tarde, em 27 de fevereiro de 1814, em um concerto em Viena regido pelo próprio compositor. Beethoven já estava com a surdez avançada e tinha dificuldades em reger suas obras. Em trechos complexos, os músicos preferiam seguir o spalla a acompanhar o regente. O compositor Louis Spohr, que foi Spalla Assistente em alguns concertos regidos por Beethoven nessa época, conta que “o pobre compositor não conseguia ouvir os momentos delicados das peças”. Nessas horas, como o som desaparecia de seus ouvidos, Beethoven fitava os instrumentos com atenção para certificar-se de que os músicos ainda tocavam. Não obstante, sua maneira de reger era ímpar: “Em passagens delicadas ele agachava-se cada vez mais, de acordo com o grau de leveza que desejava da orquestra. Para indicar um pianíssimo, escondia-se atrás da partitura. Se um crescendo aparecia, ele surgia novamente de trás da estante, levantando-se gradualmente na medida do crescendo e, na hora do forte, ele pulava no ar” (Michael Steinberg em The symphony: a listener’s guide).

 

A Sinfonia nº 8, infelizmente, não foi recebida com entusiasmo na época. Acostumado com as obras grandiosas de Beethoven, o público a via como um retorno aos padrões sinfônicos clássicos. Mas ela guarda tesouros inestimáveis escondidos em cada movimento, difíceis de ser percebidos quando se procura um Beethoven heroico. Sob vários aspectos a nº 8 nos remete às sinfonias de Haydn, especialmente à Sinfonia nº 101 (“O relógio”): nas dimensões, no colorido e, principalmente, no tratamento temático. Trata-se da mais curta de suas sinfonias e, talvez, a mais descompromissada de todas.

 

O espírito de Haydn pode ser sentido por toda a Sinfonia. O primeiro movimento (Allegro vivace e con brio) é, curiosamente, em ritmo ternário, assim como a Sinfonia nº 101 de Haydn (em Beethoven, apenas as sinfonias números 2 e 3 contêm, além da Oitava, o primeiro movimento em ternário). A forma com que Beethoven expõe as seções é extremamente clara: o início da obra marca o início do primeiro tema, e um compasso de silêncio marca a entrada do segundo. O movimento termina, inesperadamente, em pianissimo.

 

A Sinfonia nº 8 não possui um movimento lento. Muitas vezes se disse que o segundo movimento (Allegretto scherzando) teria sido escrito em homenagem a Johann Nepomuk Mälzel, amigo de Beethoven e conhecido pelo aperfeiçoamento do metrônomo. Mas, o tique-taque das madeiras e a leveza do tema das cordas são quase uma citação do segundo movimento da Sinfonia nº 101 de Haydn. O terceiro movimento é, curiosamente, um minueto (Tempo di Menuetto). Desde sua Sinfonia nº 2 Beethoven substituíra o minueto, tão comum em Haydn e Mozart, pelo scherzo. E o quarto movimento (Allegro vivace) mais parece uma brincadeira musical à moda de Haydn. Nesse movimento, após expor os dois temas, Beethoven apresenta com muita clareza cada uma de suas reaparições, como que desejando que o ouvinte não se perca ao longo do caminho. Uma longa coda nos leva a um final brilhante.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais e na Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

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