Sinfonia nº 8 em si menor, D. 759, “Inacabada”

Franz SCHUBERT

(1822)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

Quando Schubert faleceu, um ano e oito meses após Beethoven, nenhum jornal de Viena reportou a morte de um grande artista, mas apenas de um músico que tivera uma vida totalmente dedicada à arte e que fora imensamente amado pelos amigos. Ao contrário de Beethoven, cujo funeral foi assistido por cerca de vinte mil pessoas, Schubert teve um funeral modesto, com a presença da família e de seu pequeno círculo de amigos.

 

O tímido Schubert, que não gostava de publicidade, jamais se importou se sua música seria um dia executada. Seu interesse estava sempre na nova obra a compor. Em vida, teve publicado menos de um terço de suas canções e pouquíssimas obras instrumentais. No entanto, muitas de suas canções circulavam em Viena em cópias manuscritas entre um seleto grupo de amigos. Após sua morte foram exatamente esses amigos, mais alguns admiradores apaixonados, tais como Mendelssohn, Robert e Clara Schumann, Brahms e Liszt, que fizeram de tudo para resgatar, restaurar, editar e difundir sua música. O mundo assistiu atordoado ao aparecimento, ano após ano, de centenas de obras inéditas. Em seus trinta e um anos de vida Schubert havia composto mais de mil obras, dentre as quais mais de seiscentas canções, quinze quartetos de cordas, sete sinfonias completas e seis incompletas, algumas óperas, seis missas e várias obras sacras, além de um grande número de obras de câmara e piano solo (incluindo sonatas, improvisos, momentos musicais e várias danças).

 

A Sinfonia Inacabada foi composta em Viena, em outubro de 1822. O subtítulo “Inacabada” vem do fato de existirem apenas os dois primeiros movimentos. Em uma carta de 7 de dezembro de 1822 para seu amigo Josef von Spaun, Schubert não incluiu a Sinfonia na lista de suas composições recentes, provavelmente porque, naquela data, ele ainda não a via como uma obra terminada. Porém, de acordo com Joseph Hüttenbrenner (um dos irmãos Hüttenbrenner, amigos de Schubert, especialmente Anselm, com quem tocava a quatro mãos), por volta de 1824 Schubert enviou o manuscrito dos dois movimentos a Anselm, em agradecimento pelo Diploma de Membro Honorário in absentia da Sociedade Musical da Estíria, com o qual havia sido homenageado. Se acreditarmos que Schubert dificilmente enviaria uma obra inacabada como agradecimento, é possível que ele tenha percebido que a Sinfonia já estava completa com seus dois maravilhosos movimentos, mesmo que, na época da composição, essa percepção ainda não estivesse clara (fragmentos de um Scherzo foram encontrados no verso do manuscrito).

 

Mas, se a versão da doação da Sinfonia em agradecimento ao Diploma foi uma farsa, teríamos que supor que os irmãos Hüttenbrenner se apropriaram indevidamente do manuscrito. Afinal de contas, o fato é que Anselm reteve a Sinfonia e nunca a doou à Sociedade. Por mais de quarenta anos os dois irmãos mantiveram o manuscrito em casa sem jamais mencioná-lo a ninguém, nem a Ferdinand, irmão de Schubert, nem nas memórias que Anselm escreveu em 1854, a pedido de Liszt, nem nas inúmeras cartas que escreveram em resposta às perguntas dos primeiros biógrafos de Schubert. No final dos anos 1850 os irmãos Hüttenbrenner começaram, pouco a pouco, a mencionar a existência da Sinfonia e, apenas em 1865, trinta e sete anos após a morte de Schubert, o manuscrito foi entregue ao regente Johann Herbeck, que a estreou em Viena na Gesellschaft der Musikfreunde, no dia 17 de dezembro de 1865.

 

O primeiro movimento (Allegro moderato) inicia-se com uma lenta introdução nos violoncelos e contrabaixos. O primeiro tema é primeiramente executado pelo oboé e clarinete enquanto o segundo grupo temático inicia-se com uma bela melodia nos violoncelos, prontamente respondida pelos violinos. O caráter misterioso da introdução será retomado na seção central e na coda. O segundo movimento (Andante con moto) possui dois temas: o primeiro, executado pelos violinos, e o segundo, pelo clarinete. Um episódio dramático marca a volta dos dois temas. Em sua segunda aparição, esse episódio nos conduz a um final surpreendentemente tranquilo.

 

A Sinfonia “Inacabada” (D. 759), embora composta em 1822, foi a oitava sinfonia de Schubert a ser descoberta, por isso recebeu o título de Sinfonia nº 8. Na época, a Sinfonia nº 7 era a “Grande” Sinfonia em Dó maior (D. 944), que havia sido composta entre 1825 e 1828. Tal inversão se deu pelo fato da “Grande” ter sido descoberta décadas antes, em 1839, por Robert Schumann, e já se encontrar publicada quando da descoberta da “Inacabada”. Com o tempo, por uma questão cronológica, a “Grande” acabou sendo chamada de Sinfonia nº 9, e o esboço de uma sinfonia (D. 729) de 1821 acabou preenchendo o lugar vago do nº 7. No entanto, em 1978, os editores do Catálogo Temático de Schubert resolveram não mais contar os vários esboços de sinfonias deixados por Schubert. Dessa maneira, a Sinfonia “Inacabada” passou a ser chamada de nº 7 e a “Grande”, de nº 8, embora muitos ainda se refiram a elas pela antiga numeração.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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