Boris Godunov: Introdução e Polonaise

Modest MUSSORGSKY

(1872)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, 3 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Os movimentos nacionalistas, que irromperam na Europa a partir da segunda metade do século XIX, trouxeram para o campo da ópera um movimento de reação, contrário à hegemonia italiana e alemã, que teve resultados de inegável interesse histórico e estético. É nesse cenário que desponta a música dramática na Rússia. Arraigada em uma cultura autóctone – não apenas pela língua, mas pela escolha dos temas e por uma linguagem que encontra na tradição musical popular uma de suas fontes principais –, a ópera russa confere aos coros e aos trechos de dança um relevo especial. Isso, de certa forma, a aproxima das próprias tradições musicais populares russas.

 

Já não se diga de Tchaikovsky, cujas óperas, de beleza inegável, se inserem sem muitos problemas na grande tradição musical europeia. Diga-se, sobretudo, do Príncipe Igor, de Borodin, e de Boris Godunov, a obra-prima de Modest Mussorgsky. O sucesso estrondoso deste monumento da música russa foi uma espécie de revanche de Mussorgsky às críticas que sempre recebeu por ignorar as regras, por sua suposta inépcia nas disciplinas clássicas, por suas posições de vanguarda. Após sua estreia, em 1874, que esgotou os ingressos do Teatro Mariinsky, em São Petesburgo, os estudantes cantavam seus coros nas ruas. A ópera foi encenada outras vinte e uma vezes durante a vida do compositor e, após sua morte, em 1881, mais cinco vezes no mesmo ano.

 

Mussorgsky elaborou duas versões para Boris Godunov. A primeira, concluída em 1869, foi rejeitada pela censura dos teatros imperiais. A segunda, concluída em 1872, foi a versão encenada na estreia. No entanto, muitos trabalhos póstumos de correção e revisão da obra (como da maior parte do trabalho do compositor) foram feitos por seu colega e amigo Rimsky-Korsakov. Mais tarde, até mesmo Shostakovich se empenhou nessa empresa. Durante todo o século XX a versão de Rimsky-Korsakov, que data de 1908, foi a única encenada. Em tempos mais recentes, porém, a partitura de 1872 tem tido relativa predileção.

 

O próprio Mussorgsky escreveu o libreto de Boris Godunov e manteve-se fiel aos dados históricos do czar que reinou sobre a Rússia no século XVI. O compositor baseou-se principalmente na peça homônima de Pushkin, mas afasta-se dela pelo enfoque: há, na obra de Mussorgsky, uma espécie de realismo que lembra o tom de Dostoievsky.

 

A Polonaise tem lugar no terceiro ato e ambienta a cena em que aristocratas poloneses despontam de um castelo, dançando e cantando ao ritmo de sua terra de origem. Curiosamente, esse foi o primeiro trecho da ópera que Rimsky-Korsakov revisou, trabalhando vivamente sobre a orquestração. Desse trabalho, surgiu uma obra autônoma que logo se incorporou ao repertório sinfônico. Isso comprova o fato de que os episódios de dança e de coros têm, realmente, importância capital na ópera de Mussorgsky. Mesmo desvinculada da ópera, mesmo com as interferências de Rimsky-Korsakov, a Polonaise (e sua Introdução) continuam a revelar a genialidade tão radicalmente original do nome mais relevante do Grupo dos Cinco.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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