Maurice RAVEL
Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, oboé d’amore, requinta, 2 clarinetes, clarone, saxofone sopranino, saxofone soprano, saxofone tenor, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, celesta, harpa, cordas.
Quando Ravel compôs o Bolero, jamais imaginou que seu nome ficaria para sempre ligado a essa obra. Deve-se ter em mente que, para ele, o Bolero não passava de uma experiência. Nas suas palavras, tratava-se de “dezessete minutos de orquestra sem música”. Ao ser indagado pelo compositor Arthur Honegger a respeito de suas grandes composições, Ravel disse, com um leve toque de ironia: “em toda a minha vida eu compus apenas uma obra-prima, o Bolero. Mas, infelizmente, ele é vazio de música”.
O Bolero foi composto por encomenda da bailarina Ida Rubinstein, que desejava um balé de caráter espanhol para sua trupe. No início, eles haviam acordado que Ravel simplesmente orquestraria seis peças da suíte Iberia, do compositor espanhol Isaac Albéniz. Ravel, entusiasmado com a ideia, começara logo a trabalhar, quando seu amigo Joaquín Nin o advertiu de que havia um compromisso entre a viúva de Albéniz e o compositor Enrique Arbós, segundo o qual os números já orquestrados pelo próprio Arbós seriam transformados em balé pela bailarina Antonia Mercé. Ravel, inconformado, decidiu então aproveitar um tema que o perseguia havia tempos, como solução para o seu balé: uma melodia com caráter insistente que ele utilizaria repetidamente, sem desenvolvimento, variando gradualmente o colorido orquestral. Para completar o primeiro tema ele compôs um segundo. Muito mais que uma melodia individualizada, o segundo tema funciona como uma espécie de contratema, ou seja, uma melodia que se comporta como um complemento da melodia principal.
A organização da obra se dá da seguinte maneira: cada tema é introduzido por uma breve apresentação do acompanhamento instrumental. Tema e contratema são apresentados duas vezes, antes de se alternarem. Ou seja, cada seção constitui-se de duas apresentações do tema e duas do contratema, precedidas pelas breves introduções instrumentais. Isso se dá quatro vezes sem modificações. Na quinta seção, cada tema é apresentado apenas uma vez. Antes da finalização do contratema, uma surpreendente modulação nos conduz ao final grandioso.
O Bolero foi estreado no dia 22 de novembro de 1928, no Teatro Nacional da Ópera, em Paris, pela Orquestra Straram e o corpo de bailarinos de Ida Rubinstein, com Walther Straram como regente, coreografia de Bronislava Nijinska e cenário de Alexandre Benois. O escândalo que a obra causou em suas diversas apresentações estimulou o compositor a tentar executá-la sem o balé. A versão de concerto foi estreada por Ravel em janeiro de 1930. Hoje uma das obras mais executadas do repertório internacional, o Bolero pode parecer o resultado de uma composição bem calculada para causar impacto e ser bem-sucedida nas salas de concerto. Mas foi com extrema dificuldade que a obra ganhou as graças do público. Visto pelos olhos dos contemporâneos de Ravel, o Bolero foi uma cartada arriscada. Embora difícil de se predizer seu futuro naquela época, o Bolero era considerado, por amigos do autor, como o ponto culminante das tendências místicas de Ravel. Os inimigos diziam que se tratava de música composta por um louco.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.