Choros nº 8

Heitor VILLA-LOBOS

(1925)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, saxofone alto, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, cordas.

 

Conta o pesquisador Paulo Renato Guérios que Villa-Lobos, em sua primeira visita a Paris, em 1923, fora convidado para um almoço no estúdio da pintora Tarsila do Amaral. Ali encontravam-se o pianista Souza Lima e o escritor Oswald de Andrade, o poeta Blaise Cendrars, o compositor Erik Satie e o pintor e poeta Jean Cocteau. Ao piano, Villa-Lobos improvisara algo, que aos ouvidos de Cocteau soara como Debussy ou Ravel. Crítico de ambos, Cocteau não economizou nos ataques a Villa-Lobos. Essa experiência, entre tantas outras na capital francesa – o contato com o Grupo dos Seis, as audições dos balés de Stravinsky –, faria Villa-Lobos entender que seu papel não seria dar continuidade à tradição europeia, mas dar forma a uma potência musical legitimamente americana. Anos mais tarde, numa entrevista para a Filarmônica de Nova York, em 1945, Villa-Lobos declararia: “na minha música não se vê aquilo que chamamos de influências. É completamente americana – do nosso continente –, não pertencendo a nenhuma escola ou tendência.”

 

Os anos de 1920 sem dúvida representam não apenas um movimento em direção a essa nova potência musical, mas sua consolidação, figurando o conjunto dos Choros como a máxima expressão de uma poética paradoxalmente selvagem e sentimental, profundamente enraizada na rica sonoridade das Américas. De acordo com o compositor, quatorze Choros foram compostos entre 1920 e 1929. Estudos revelam, no entanto, que os Choros 6, 9, 11 e 12 teriam sido completados entre 1936 e 1944, os Choros 13 e 14 se perderam, se é que não foram apenas esboçados, e apenas os Choros 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8 e 10 foram, de fato, compostos e estreados nos anos de 1920. Assim, a numeração dos Choros explica-se não pela cronologia, mas por uma crescente complexidade musical e instrumental.

 

O Choros nº 8 é o mais ousado e extremo, de modo que alcunhas e epítetos proliferaram entre os críticos. O mais moderno e “fauvista” dos Choros, para o pesquisador finlandês Eero Tarasti, foi batizado na França como “o oitavo louco”, pois incorpora a contradição entre intenção e expressão. Nas palavras de Villa-Lobos: “A nota dominante [da obra], eu diria, é o sentimento. O que pode parecer singular, pois, contrário a isso, tem-se o paradoxo da mais elevada brutalidade instrumental”. Os dois pianos concertistas, acompanhados de um generoso sortimento de instrumentos de percussão típicos do Brasil, caracterizam-se mais por sua percussividade e potência sonora do que por seu lirismo. Composto em Paris, finalizado no Rio de Janeiro e estreado na capital francesa em 1927, o também chamado “Choros da Dança” define-se pela complexidade rítmica e métrica, que culmina naquilo que Villa-Lobos chama de “batalha dos ritmos”. Como uma suíte rapsódica, livre de desenvolvimento ou fórmulas temáticas e com raras repetições, o Choros nº 8, para a musicóloga Lisa M. Peppercorn, segue a forma caprichosa da vegetação selvagem de uma floresta tropical. Para Villa-Lobos, a obra busca projetar em nossa época um sentimento primitivo de música, encarnando de modo singular sua busca pela absoluta liberdade como músico.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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