Concerto para piano nº 1 em Mi bemol maior

Franz Liszt

(1848/1857)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, percussão, cordas.

 

Não foi no concerto, na sonata ou na sinfonia que Liszt encontrou o caminho mais fértil para se exprimir, embora tenha deixado obras emblemáticas desses gêneros: a Sonata para piano em si menor, a Sinfonia Fausto e, é claro, os dois concertos para piano. O fato é que, para uma mentalidade tão intensamente romântica como a sua, não lhe bastariam as formas, estruturas e gêneros clássicos, a não ser que pudessem ser transcendidos. Daí a grande relevância que têm, por um lado, a sua pródiga obra para piano solo, que propõe muitas explorações formais, harmônicas e linguísticas, para além dos limites clássicos; daí também, por razões análogas, o monumento em que se constituem seus poemas sinfônicos.

 

Quando Liszt se dedica a gêneros indissociavelmente ligados ao universo clássico, seu espírito inquieto o faz procurar possibilidades de abertura, para que suas obras não sucumbam à mera reprodução de modelos preestabelecidos. Surgem, dessa procura, resultados sempre inovadores. Não é, portanto, nos grandes modelos da música concertante que Liszt busca fundamentalmente parâmetros para seu primeiro concerto para piano, mas no poema sinfônico, gênero que ele próprio ajudou a consolidar. Há mesmo quem veja, no primeiro concerto, à maneira do poema sinfônico, um programa – certo esquema psicológico. Se isso há ou não, é, porém, o menos importante. Muito mais relevante é o emprego, aqui, da forma cíclica, técnica de composição na qual os vários movimentos de uma mesma obra são elaborados a partir dos mesmos materiais temáticos. Para isso, os temas têm que ser flexíveis o suficiente para poderem sofrer verdadeiros processos de metamorfose, sem que, porém, percam por completo a sua identidade essencial. Se isso já se encontra, em maior ou menor grau, nos processos clássicos de desenvolvimento temático, a forma cíclica permite que esses mesmos processos transcendam os limites impostos por quaisquer rigores formais.

 

No primeiro concerto de Liszt, alguns temas básicos percorrem a obra, assegurando-lhe a coesão e interligando os quatro movimentos (não três, como no modelo vienense clássico). Ademais, uma maneira inovadora de tratar a instrumentação, que incorpora elementos camerísticos à expressão sinfônica, ou que dá atenção especial a certas combinações inéditas e a certos timbres até então pouco explorados (como o uso expressivo do triângulo, em diálogo com o piano, no terceiro movimento), tudo isso faz com que essa obra ainda soe surpreendentemente moderna.

 

Talvez por esse desejo (ao final, muito bem-sucedido) de transcender os padrões clássicos o primeiro concerto de Liszt tenha tido empenho tão laborioso. Foram mais de duas décadas de trabalho na partitura: os temas principais datam de 1830; a versão inicial do concerto foi concluída em 1849; em 1855 o compositor a estreou em Weimar, ele mesmo como solista, sob a batuta de Hector Berlioz! A versão definitiva, porém, data de 1857.

 

Por trás do brilhante virtuosismo do solista e de seu melodismo tão encantadoramente acessível, por trás de uma aparência quase extrovertida revela-se um trabalho monumental, profético no seu tempo e atual ainda hoje.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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