Concerto para piano nº 2 em sol menor, op. 16

Sergei PROKOFIEV

(Primeira versão, 1913 | Versão definitiva, 1923)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Pela qualidade de sua vultosa obra, Prokofiev certamente encontra-se entre os compositores mais relevantes da primeira metade do século XX. Entretanto, diferentemente de Debussy, Stravinsky, Bartók, Schoenberg ou Webern, ele nunca pretendeu renovar a linguagem musical ou criar uma nova técnica de composição. Em linhas gerais, manteve-se fiel à tonalidade, e suas inovações se referem mais aos efeitos do que às estruturas musicais.

 

A originalidade da música de Prokofiev emerge diretamente de sua destreza de exímio pianista, na busca de recursos inéditos para a técnica do instrumento. Foi primordialmente para seus dedos ávidos de novidades que ele a compôs. Aos seis anos, já usava o piano para criar pequenos esboços musicais, como um curioso Galope hindu (escrito no modo lídio de fá, para evitar as teclas pretas). Quando estreou a primeira versão do Concerto nº 2, era ainda aluno do Conservatório. Parte do público abandonou o teatro durante a apresentação, protestando contra o caráter inusitado da obra. Prokofiev ficou encantado com o escândalo e concedeu vários extras.

 

O Concerto op. 16 divide-se em quatro movimentos. O primeiro, Andantino, começa pianíssimo, com o primeiro tema cantabile, muito russo, confiado ao solo do clarinete. A intervenção orquestral é bem equilibrada e muito expressiva. O segundo tema, Allegretto, tem caráter dançante e apresenta algumas novas ideias, submetidas a transformações engenhosas. Em um procedimento formal inédito, Prokofiev substitui o tradicional desenvolvimento por uma dilatada cadenza que, sozinha, ocupa quase a metade do movimento, exigindo do solista verdadeira acrobacia técnica, resistência física e gestual vigoroso. Audaciosa em sua linguagem harmônica, repleta de acordes tumultuosos e arpejos inusitados, essa assombrosa passagem culmina na volta em fortíssimo da orquestra com todo o peso dos metais. É o começo da coda, cujo diminuendo traz de volta a atmosfera nostálgica inicial.

 

O Scherzo (Vivace) é um perpetuum mobile. O pianista tece arabescos fantasiosos com imutáveis e rápidas semicolcheias articuladas paralelamente nas duas mãos. A orquestra trabalha um material disperso criando harmonias surpreendentes e a curiosa interferência rítmica de agudos pizzicati nos sopros.

 

O Intermezzo (Allegro moderato) começa com ameaçadores saltos retumbantes nos graves sobre os quais os metais anunciam suas fanfarras. O piano enriquece o quadro com um colorido novo, dinâmicos contrastes, elaboradas estruturas rítmicas e cintilantes arroubos virtuosísticos. Episodicamente, o movimento é suavizado pelo relevo das melodias; mas no todo domina o acento bárbaro.

 

O Finale (Allegro tempestoso) tem dimensões imponentes e uma lógica formal que tira partido das vivas alternâncias de atmosferas. No início, o piano exibe seu vigor em acordes robustos e saltos de oitava por todo o teclado. Um dos momentos contrastantes mais líricos acontece quando o solista canta uma melodiosa berceuse, repleta de ternura. Após as ousadas dissonâncias da coda, o concerto culmina em altivo clima de vitória.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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