Concerto para piano nº 25 em Dó maior, K. 503

Wolfgang Amadeus MOZART

(1786)

Instrumentação: flauta, 2 oboés, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos e cordas.

 

Até meados dos anos 1770, a nobreza e a aristocracia mantiveram numerosas organizações musicais, ou Kapellen, no Império Habsburgo, a maior parte delas desativada entre 1780 e 1795. Quando, em meados de 1781, Mozart instalou-se em Viena para iniciar a vida de artista autônomo aos 25 anos, passou a depender do interesse de um público notoriamente volúvel. Apresentações como virtuose em saraus aristocráticos e “academias” (concertos por subscrição, organizados pelo compositor) tornaram-se sua fonte de renda. A cronologia dos dezessete concertos para piano do período, parte importantíssima de sua produção e do repertório, fornece uma medida de seu sucesso em Viena. O Concerto em Dó maior, K. 503 encerra o período da celebridade do artista na capital austríaca. O nome “Júpiter” lhe foi dado no século dezenove em função da tonalidade, do caráter e da amplitude do primeiro movimento, o maior de toda a produção sinfônica do autor.

 

A partitura geral provavelmente date do final de 1784 ou início de 1785, quando Mozart estava intensamente ocupado com três concertos (o 459, o 466 e o 467). Após criar mais três na temporada de 1785/1786 (o 482, o 488 e o 491), ele retornou ao esboço inicial para completar aquele que se tornaria o último dos doze concertos para piano compostos entre 1784 e 1786. Em seu catálogo temático, Mozart datou-o de 4 de dezembro de 1786, e, após estreá-lo no dia seguinte, continuou a revisá-lo.

 

Nenhum outro concerto de Mozart depende tanto, em sua abertura, da intensidade e da expansão da massa orquestral. A seção de desenvolvimento culmina num cânon quádruplo em oito partes, que só encontra comparação em uma passagem do rondó final do Primeiro Concerto para Piano, em ré menor, de Johannes Brahms, de 1858. O Andante difere dos movimentos lentos mozartianos pelo recurso à forma sonata. O Allegretto final, em rondó-sonata, adapta o tema principal da Gavota da música de balé da ópera Idomeneo, de 1781. Como quase todos os seus finais de concerto, Mozart concebeu-o no espírito efusivo e conciliador de um fim de opera buffa: coloca-se no palco um elenco habilmente contrastado de personagens, e suas diferenças se dissolvem no convívio.

 

Richard Taruskin observa que, quando Mozart opera em sua melhor forma, é precisamente o artesanato escondido que cria a impressão de intensa emoção subjetiva, e, sem os dispositivos ocultos que só a análise técnica pode revelar, a emoção jamais alcançaria tal intensidade. Por outro lado, como afirma Charles Rosen, o lirismo das obras de Mozart costuma residir nos detalhes, e a estrutura maior é uma força organizadora; no K. 503 os detalhes são geralmente convencionais, e a força expressiva mais impressionante vem dos elementos formais maiores, a ponto de insuflar melancolia e ternura num estilo pesadamente sinfônico.

 

Após a morte de Mozart, seus concertos começaram a circular fora do eixo Viena-Salzburgo. Constanze Mozart fez publicar o K. 503 em 1798, às próprias custas. Beethoven cita o Allegro maestoso no início do desenvolvimento de seu Quarto Concerto para Piano, de 1806, e, no Andante con moto, explora contrastes de massas, volumes e intensidades com fins opostos aos de Mozart, numa relação tradicionalmente caracterizada como a de Orfeu com as Erínias. No Allegro maestoso do “Júpiter”, essa relação poderia ser a de Ganimedes com Zeus.

 

Carlos Palombini
Professor de Musicologia da Universidade Federal de Minas Gerais

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