Concerto para piano nº 3 em dó menor, op. 37

Ludwig van BEETHOVEN

(1799/1803)

Era manhã do dia 5 de abril de 1803, em Viena, uma data importante para Ludwig van Beethoven: logo à noite ele realizaria um grande concerto dedicado exclusivamente às suas composições. Os ensaios naquele dia se iniciaram às oito horas e prosseguiram até 14 horas, ininterruptamente, até o momento em que o Príncipe Karl Lichnowsky, um dos principais mecenas de Beethoven, ofereceu aos músicos um pequeno banquete. Beethoven, previamente, dedicara ao Príncipe sua Segunda Sinfonia, obra a ser estreada naquela noite, assim como o Concerto para piano nº 3 e o oratório Cristo no Monte das Oliveiras. A apresentação teve início no Theater an der Wien às 18 horas com casa cheia, rendendo a bilheteria de mil e oitocentos florins ao compositor. Ainda que o público vienense estivesse acostumado a assistir longas performances, Beethoven decidiu por excluir alguns números do oratório. Espantosamente, a audiência estava de tal forma receptiva, que, de bis, foi executada integralmente sua Primeira Sinfonia.

 

Para o Concerto para piano nº 3, Beethoven tocou e regeu a orquestra. A imponente introdução, uma elaborada exposição orquestral, marca uma nova concepção sinfônica do compositor, que, porém, não ocorreria em posteriores obras do gênero. O drama e o pateticismo estabelecidos por Mozart em suas composições em dó menor – Fantasia e Sonata K. 457 e Concerto para piano K. 491 – servem de modelo para as criações beethovenianas na mesma tonalidade: o Concerto nº 3, a Sonata Patética e a Quinta Sinfonia. Após reger a introdução do Allegro con brio, Beethoven repete ao piano o tema apresentado pela orquestra, reafirmando sua ideia primária. Mozart faria diferente: sem embates, daria um novo tema ao piano. No gênero concertante, Beethoven expõe a dialética entre o homem (solista) e a coletividade (orquestra). Arte, filosofia e política convergem na retórica humanista do gênio de Bonn, que certa vez disse: “o homem, individualmente, deve proceder em harmonia com a coletividade, e a coletividade deve esforçar-se por formar um grande indivíduo”.

 

No segundo movimento, Largo, Beethoven mantém a profundidade do movimento inicial, porém, escolhe tonalidades luminosas e inicia seus acordes, como em prece, solitariamente. Não obstante, o periódico vienense Allgemeine Musikalische Zeitung declararia ser o Concerto nº 3 “indiscutivelmente uma das composições mais bonitas do distinto mestre”. Para o movimento final, em forma rondó, Beethoven reservou uma ambiência mais leve e extrovertida. Na estreia, enquanto o compositor executava ágeis passagens ao piano, ao seu lado, o diretor do teatro, Ignaz von Seyfried, tentava decifrar os garranchos do manuscrito e passar as páginas: “aqueles hieróglifos egípcios eram apenas pistas, pois ele tocava quase tudo de memória, já que, como tantas vezes, não teve tempo de colocar tudo no papel”, descreveu Seyfried. No jantar daquela noite, após a apresentação, Beethoven divertiu-se ao se lembrar do aperto do amigo paginista e pôde, merecidamente, comemorar o sucesso de sua recente vitória na capital da música.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais

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