Camille SAINT-SAËNS
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.
Camille Saint-Saëns dedicou-se durante a década de 1870 a compor óperas, concertos e obras sinfônicas, retomando o gênero poema sinfônico criado em seu país por Berlioz e firmado por Liszt na Alemanha. Obcecado pela forma, Saint-Saëns primou pela estruturação musical em detrimento da expressão e deu a suas obras um significado além do descritivo e do afetivo, suprimindo os impulsos sentimentais do Romantismo. Assim ele atinge sua maturidade artística, frutificada na estética objetiva e impessoal da “arte pela arte”, encontrando na Antiguidade Clássica os assuntos de suas novas criações sinfônicas. E foram três obras dessa década que lhe deram prestígio mundial: o Concerto para piano nº 4, a Dança Macabra e a ópera Sansão e Dalila. Essas criações se contrapõem a certa reputação de compositor inconsistente, incompreendido por usar seu vasto conhecimento e enorme talento para compor melodias simples e leves. Segundo Claude Debussy: “Saint-Saëns é o homem que melhor conhece a música do mundo inteiro. Essa ciência da música, aliás, levou-o a jamais consentir em submetê-la aos seus desejos pessoais”.
A busca de um estilo sóbrio, elegante e de formas perfeitas estimulou Saint-Saëns a organizar interessantes estruturas para suas obras de maior porte. No Concerto para piano nº 4, por exemplo, a forma sonata, incansavelmente explorada no sinfonismo alemão, foi habilmente substituída por um esquema a meio caminho entre o tema e variações e o desenvolvimento temático dos poemas sinfônicos. Saint-Saëns estruturou-o em dois grandes movimentos, cada qual subdividido em seções que se interrelacionam.
Elogiado por conter “a força de Liszt e a suavidade de Chopin”, o Concerto nº 4 foi estreado em Paris no ano de sua composição, com o autor ao piano, numa série de concertos dedicados à memória de Georges Bizet. A seção inicial do primeiro movimento (Allegro moderato) consiste num tema mozartiano, soturno e suspirante, modificado em três amplas variações encerradas por uma grande escala ao piano. Curiosamente, ao final da última variação, rápidas oitavas alternadas nas mãos do pianista revelam o tema que surgirá no começo do segundo movimento (Allegro vivace). A seguir, num momento de expectativa, arpejos do piano e madeiras em coro transformam a textura, marcando o início de uma nova seção (primeiro Andante). Entre suaves divagações, o piano expõe um melodioso tema, desenvolvido até o final do primeiro movimento com imensa fantasia.
O começo do segundo movimento (Allegro vivace) já nos fora revelado. Porém, o que se segue é surpreendente: ressurge o tema inicial da obra, antes soturno, agora agitado. Saint-Saëns fecha a primeira seção com a mesma chave: uma grande escala ao piano. Retornamos assim à seção lenta (segundo Andante) e seu melodioso tema reaparece orquestrado. Porém, logo o piano esbraveja em oitavas e uma fanfarra anuncia a última seção (Allegro). Quem dá as notas do grand finale é o piano, que, soberbamente, volta a reinar, restando à orquestra imitá-lo em seu hino de vitória.
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.