Concerto para piano nº 4 em Sol maior, op. 58

Ludwig van BEETHOVEN

(1805/1806)

Instrumentação: Flauta, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

Com a ascensão da classe média e o despertar da Revolução Industrial, o século XIX viu um aumento considerável de oportunidades para os compositores. Eles publicavam mais facilmente suas obras e se apresentavam em inúmeras ocasiões, não apenas regendo, como, principalmente, executando concertos para instrumento solista e orquestra. A composição de um concerto oferecia a oportunidade ideal para um músico demonstrar seu alto conhecimento musical, como compositor e como instrumentista. Inicialmente, cada concerto era composto com a intenção de ser executado apenas pelo compositor, como uma espécie de cartão de visitas original. Deter o direito de ser o único executante de um concerto demonstrou ser um arranjo extremamente lucrativo para muitos compositores no final do século XVIII e início do XIX, como atestam as carreiras de Boccherini, Viotti e Mozart. Após alguns meses, o concerto acabava sendo publicado e paulatinamente ganhava as graças de outros executantes. Quando Beethoven escreveu seu quarto concerto para piano e orquestra, em 1806, todos os concertos de Mozart já se encontravam publicados e eram os preferidos do público. Tocar seus concertos era praticamente uma obrigação para qualquer pianista, assim como viria a ser com os concertos de Beethoven, ao final do século.

 

Beethoven começou a compor o Concerto para piano nº 4 em 1805 e terminou a composição no início do ano seguinte. A estreia se deu em março de 1807, em Viena, em um concerto privado na casa de seu patrono, o Príncipe Franz Joseph von Lobkowitz, com Beethoven ao piano. A primeira performance pública do Concerto nº 4 aconteceu na mesma Viena, em 22 de dezembro de 1808, no Theater an der Wien, quando foram também estreadas a Quinta e Sexta sinfonias e a Fantasia Coral. Essa foi a última aparição de Beethoven como solista de concertos. E, embora sua surdez estivesse bem avançada, Carl Czerny, seu aluno, recorda que Beethoven foi extremamente habilidoso na execução do Concerto.

 

Beethoven soube trazer, para o Concerto nº 4 todas as possibilidades expressivas do piano e colocá-lo em pé de igualdade com a orquestra. Pela primeira vez, o piano ganhou total independência da orquestra e tornou-se um dos protagonistas principais da cena. Geralmente, ao se iniciar um concerto, ouve-se a orquestra tocar por um longo tempo, enquanto se espera, pacientemente, pela entrada do solista. Beethoven deve ter surpreendido seu público vienense com o Concerto nº 4, uma vez que o piano começa a tocar antes da orquestra e não para em momento algum. Talvez deixando claro que seu papel é o de protagonista, e a orquestra, quem sabe, deva ficar em segundo plano. No segundo movimento, orquestra e piano travam um diálogo excepcional, vislumbrando o que viriam a ser, ao longo do século XIX, os embates indivíduo versus sociedade. A orquestra em uníssono e fortíssimo apresenta seu tema de maneira incisiva, enquanto o piano responde timidamente. A orquestra continua a propor suas ideias sempre de maneira decidida, mas o piano não se deixa intimidar e, paulatinamente, cresce sua presença no diálogo. Aos poucos, a orquestra recua e o piano aparece cada vez mais, até o ponto em que ele, vencendo o diálogo, reina absoluto, enquanto à orquestra cabe o papel de observá-lo e apenas comentá-lo ao fundo. No Rondó, terceiro e último movimento, piano e orquestra, agora em pé de igualdade, travam um diálogo ainda mais intenso. Ao final, Beethoven deixa espaço para uma curta cadência do piano, antes do fortíssimo dos acordes finais.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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