Don Juan, op. 20

Richard STRAUSS

(1888)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

Primeira apresentação com a Filarmônica: 19 de maio de 2011

 

Os poemas sinfônicos de Richard Strauss, definidos pelo próprio compositor como ilustrações sonoras de enredos poéticos, inserem-se de maneira muito pessoal na tradição da música programática desenvolvida por Berlioz e Liszt. Essa opção estética do jovem compositor alemão associa-se diretamente ao início de sua espetacular carreira de regente. Até então, a formação de Strauss fora marcada pela orientação conservadora do pai, Franz Strauss, trompista famoso que só apreciava os compositores clássicos e o período inicial do Romantismo.

 

Nascido em Munique, Richard, quando transferiu-se para Meininger, entrou em contato com as duas principais vertentes que então norteavam a música germânica – no final do século XIX, os adeptos da “música pura” (o violinista Joachim, o teórico Hanslick) elogiavam a música de Brahms e se opunham aos arautos da “música do futuro” (Berlioz, Liszt e Wagner). Tornando-se aluno e auxiliar do renomado maestro Hans von Bülow, Strauss aprofundou seus estudos sobre a música de Brahms, além de adquirir sólida técnica de direção orquestral. Entretanto, foi ainda mais decisiva para sua formação a influência do primeiro violino da orquestra de Meininger, o wagneriano Alexander Ritter, que lhe abriu as portas da “música do futuro”.

 

Completada em setembro de 1888, a partitura de Don Juan demonstrava a maturidade atingida por Strauss (que tinha apenas 24 anos), dando-lhe lugar de destaque entre os compositores alemães da geração pós-wagneriana. Dentre as diferentes concepções do mito de Don Juan, a fonte literária escolhida por Strauss foi o poema dramático do escritor austríaco Nikolaus Lenau, cuja leitura inspirou-lhe os temas musicais anotados pela primeira vez em maio de 1888, por ocasião de uma visita a Pádua, na Itália. Nessa versão, o personagem não tem a arrogância e o orgulho do seu célebre homônimo mozartiano. Não se trata de um Don Giovanni ardoroso e insaciável que morre desafiadoramente, incapaz de sentir remorsos ou pedir perdão. Na verdade, o Don Juan de Lenau/Strauss é um homem fragilizado pela busca incessante de um ideal inacessível – o da encarnação perfeita do eterno feminino. Não o encontrando em tantas mulheres conquistadas, o herói deixa-se tomar por um grande tédio e, desiludido, procura a morte em um duelo.

 

Como citação poética, Strauss incluiu na partitura trinta versos do texto de Lenau, agrupando-os em três blocos correspondentes às ideias que ele procurou evocar nos temas musicais – o Desejo, a Posse, o Desespero. A obra possui inspiração melódica arrebatadora, com destaque para o enérgico e majestoso motivo das trompas que representam o protagonista. O violino solo sugere a imagem ingênua de Zerlina. O oboé, sobre o fundo grave das cordas, celebra as virtudes de Dona Ana. Strauss explora com sabedoria os contrastes dinâmicos e as ousadas acentuações rítmicas. Impressionam, sobretudo, os fulgurantes e inusitados efeitos extraídos de uma orquestra relativamente pequena do final do século XIX.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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